“Minha doce Veruska”. Era assim que o jornalista Ricardo Boechat tratava a esposa – terminologia infelizmente empregada raríssimas vezes em casamentos com 15 anos.
Palavras doces que ele repetia sempre à mãe e aos seis filhos, quatro do primeiro casamento. Para as duas meninas com Veruska, ele dizia que era pai e avô. “Como avô, as deixo fazer o que bem entenderem”.
Palavras de carinho e atenção para todos os amigos, que o adoravam. “Foi-se um amigo incomparável, presente, prestativo”, foram os adjetivos mais falados desde a queda do helicóptero na segunda-feira, 11 de fevereiro.
E Boechat jamais perdia a oportunidade de utilizar palavras de conforto e estímulo para desempregados, órfãos, andarilhos e mendigos. Com estes sentava-se na calçada e conversava horas como se ali estivesse alguém que precisava de ajuda, mas que também poderia passar importantes ensinamentos.
Este apego de Boechat à palavra exata, duradoura, insubstituível, ele também apresentava aos políticos sem pudor e aos religiosos sem caráter: com rapidez escolhia do seu vasto dicionário intelectual sempre o termo preciso para definir quem ludibria o eleitor, desafia o interesse público ou enriquece com o suor alheio. Vimos e o ouvimos chamá-los de bandidos, canalhas, cafajestes, falastrões, corruptos, safados e pedir a eles rigor na punição, muitas e muitas vezes, destemidamente. Como que acreditando, mesmo sendo ateu, que sua ira santa (não há termo melhor) o protegeria das vinganças, das caras feias, dos quebrantos e do mau-olhado.
Há um consenso no meio jornalístico de que nenhum outro colega conseguiu traduzir em palavras, como ele, sua visão de mundo na forma impressa, por meio de ondas de frequência curta pelo rádio ou ancorando o noticiário de TV. Boris Casoy e Joelmir Beting se deram bem nas três mídias, mas jamais alcançaram o prestígio nem a autonomia (e uma coisa depende da outra) atingidos por Boechat. Seu programa das manhãs na Rádio Bandeirantes era líder de audiência em todo o Brasil e, nele, formou com José Macaco Simão a melhor dupla de comentaristas políticos das últimas décadas.
(Farão muita falta, aliás, as gargalhadas de Boechat rindo das tiradas de Simão, costumeiramente ácidas, provocativas e carregadas de instrutiva sacanagem).
Exatidão e precisão nas palavras que Boechat unia ao principal ensinamento transmitido por Claudio Abramo, toda vez que o grande reformador da Folha de S. Paulo (com passagem brilhante também no Estadão) era instado a falar sobre como praticar corretamente o jornalismo: “O jornalismo nada mais é do que o exercício diário da inteligência e do ceticismo”. E Boechat completava: “Eu não acho que deve ter uma distância entre o que eu faço e o que eu sou”.
No velório, a extremamente lúcida dona Mercedes, mãe de Boechat, contou que o médico que fez o parto do nascimento do jornalista até se assustou quando o viu: “Ainda bem que é um menino porque ele é muito feio”. Uma feiura que foi se abrandando e, ao morrer aos 66 anos, Boechat era um senhor bem apessoado, careca sim, mas com os olhos mais vivos, penetrantes, céticos e confiáveis do jornalismo brasileiro.
Olhar que fará falta ao jornalismo, à doçura, ao sentimento de indignação com a injustiça, à força da palavra exata, ao bom combate e às nossas amarguradas manhãs de País de tragédias anunciadas.