“Baby, compra o jornal e vem ver o sol. Ele continua a brilhar, apesar de tanta barbaridade”. Ao som de “O poeta está vivo” começo a coluna desta semana. Composta por Dulce Quental e Frejat, a canção foi uma homenagem a Cazuza, uma das maiores estrelas da geração do rock dos anos 80.
Embora lançada no início da década de 90, a letra foi escrita quando o artista ainda estava doente e nasceu do convívio entre Dulce e o “poeta”. Ele havia voltado de uma viagem para Boston, na qual se submeteu a um tratamento intensivo contra a doença da década, a AIDS. Mesmo após a sua morte, a canção é ainda mais verdadeira: o poeta ainda está vivo e segue brilhante em muitas de suas canções e composições.
Cazuza permanece até hoje como um ícone da resistência e da autenticidade, não apenas no cenário musical, mas também na maneira como traduzia em arte as angústias de uma geração. Numa época de transição, nosso país se despedia da ditadura militar e começava a buscar novas formas de expressão.
Sua música, de forma visceral, capturou a sensação de uma nação, que lutava para se libertar das amarras de um passado que já veio malhado antes mesmo de nascermos. Sem convite para uma festa pobre, Cazuza implorou para que o Brasil mostrasse a sua cara. Filiou-se a um partido de um coração partido e ficou sem “Ideologia” para viver. Disparou contra a sol sua metralhadora cheia de mágoas e tal qual um presságio para atos de 08 de janeiro, nos avisou sobre o risco de o futuro repetir o passado, como um museu de grandes novidades, anunciando tudo em “o tempo não para”.
E além das revoltas políticas, Cazuza falou de sentimentos. Pediu a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida, transformando o tédio em melodia com “Todo amor que houver nessa vida”. Protegeu um nome por amor, em um “Codinome Beija-Flor”. Inventou um amor pra se distrair e até pensou que ele nunca existiu.
Como um “Maior abandonado, ficou perdido, sem pai e nem mãe, bem na porta da sua casa. Exageradamente “Exagerado”, foi “Carne de pescoço” e se perguntou “Por que a gente assim?”.
O poeta transformou toda a sua dor e poesia. Sem saber o que seu o corpo abrigava nas noites quentes de verão, andou down, tão down, down, down…. que se lembrou que o banheiro é a igreja de todos os bêbados. Cantou que “só as mães são felizes” e num blues pediu piedade para essa gente careta e covarde. Não causou “mal nenhum”, só a si mesmo, e no final, viu a vida louca e breve o levar, numa doença que à época foi verdadeira sentença fatal para quem a tivesse.
E mesmo depois de sua morte, foi inspiração para duas de minhas músicas preferidas. Uma delas, o título da coluna de hoje – “O poeta ainda está vivo”, interpretada por sua antiga banda, Barão Vermelho. A outra, chamada “Poema”, é cantada por Ney Matogrosso e musicada por Frejat. A história se resume a um poema que a mãe de Cazuza encontrou após seu falecimento, no qual o artista homenageava a sua avó. Numa letra espetacular, falou de um tempo que era criança, quando o medo era motivo de choro e desculpa para um abraço e um consolo.
Cazuza fez arte, fez música, fez poesia. Cazuza fez história. E eu, como vocês já sabem, prefiro viver assim, sei que sou mais feliz desta forma… ouvindo música boa e brasileira, com letra e melodia que refletem não só as indignações políticas deste país, mas o amor e a dor presente em todos os corações. E a você, caro leitor, fica minha recomendação, escute Cazuza, porque o poeta ainda está vivo!
Drielli Paola – @drielli_paola. Servidora Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo. Bacharel em Direito, com pós-graduação e extensões universitárias na área jurídica. Entusiasta de psicologia, história, espiritualidade e causa animal. Apaixonada pela escrita.