É preciso coragem e determinação para enfrentar as mazelas
As pressões sobre o equilíbrio fiscal costumam ser sazonais. Atingem seu máximo na preparação da proposta orçamentária. Ministros, inconformados, vão ao Congresso para conseguir o impossível: que a soma das partes seja maior do que o todo. Com alinhamento momentâneo de interesses com o Legislativo, soltam a criatividade para acomodar gastos pelo instrumento legítimo das emendas parlamentares, mas através de expedientes cada vez menos transparentes.
A coisa assume proporções catastróficas quando, por recusa em discutir prioridades, todos vão ao TCU para coletar sugestões sobre brechas “legais” ao teto de gastos, mais grave quando ocorre às vésperas do ano eleitoral.
Hoje, 95% do Orçamento é ainda fixado pela “visão e desejo” dos constituintes de 1988. O Executivo não teve o empenho e o Legislativo não teve a coragem necessária para dar a flexibilidade indispensável à boa administração do país. A aprovação da proposta de reforma administrativa na comissão especial pode ser um passo importante na construção de um estado mais eficiente e mais justo.
Depois de pareceres que pioravam o projeto original e constitucionalizavam privilégios, o texto da comissão bloqueou alguns absurdos. Não é a reforma profunda de que o Brasil precisa, mas traz pontos positivos, outros de eficácia duvidosa e alguns retrocessos inadmissíveis que precisam ser barrados no plenário.
O fim de alguns penduricalhos, o corte de 25% de jornada e salário em caso de crise financeira e a extensão de medidas a estados e municípios são pontos importantes. A eficácia do mecanismo proposto para avaliação e demissão por desempenho insuficiente ainda deixa dúvidas. A insistência em constitucionalizar pontos passíveis de resolução por leis mostra que não temos prestado muita atenção às consequências dessas decisões para o país.
Já as benesses concedidas aos agentes de segurança, desfazendo os efeitos da reforma da Previdência e da PEC Emergencial (e sobre os quais sequer tem-se estimativa de custos), são escandalosas e injustificáveis, assim como a não inclusão do Judiciário e do MP no texto. A Câmara pode – e deve – aprimorar o texto para que o saldo seja positivo e a oportunidade de avançarmos na direção correta não seja perdida.
Boas análises sobre as insuperáveis restrições institucionais para melhorar a administração do país nunca foram escassas, mas preparadas, debatidas e engavetadas por entraves políticos. É preciso coragem e determinação para enfrentar as mazelas que vimos construindo pelo controle do Estado por uma “casta” não eleita que se apropriou do poder.
Antônio Delfim Netto: Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”