O líder moral

Há pastores por todos os lados tentando juntar ovelhas que se dispersam na vastidão dos pastos do planeta. As tentativas acabam sendo inócuas, porque os animais não reconhecem a voz do pastor. Escondem-se em touceiras e perambulam de um lado a outro em sua vida nômade. A imagem cai bem no ciclo em que vive a Humanidade. Há políticos de todos os estilos, autoritários e demagogos, liberais e conservadores, populistas e articuladores. Mas a paisagem é árida quando se procura enxergar um perfil com lealdade moral, qualidade central em um estadista.

O líder moral é aquele que se impõe por sua índole agregadora, pela respeitabilidade conquistada junto aos governados e pela busca de soluções para atender demandas das populações. São mandatários que enfrentam desafios, cientes de que a coragem e a resiliência são essenciais para se ganhar a guerra. Churchill, por exemplo, de tanto insistir, convenceu os EUA a entrarem na guerra dos aliados contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão).

A liderança moral resiste ao tempo, saindo da tempestade para entrar na bonança, e tendo como inspiração a chegada ao pódio da vitória. Não se subordina a reclamos de partidos que se tornam caçadores de recompensas. Entende a política como “a habilidade de prever o que vai acontecer amanhã, na semana que vem, no mês que vem e no ano que vem, porém com a capacidade de explicar depois por que nada daquilo aconteceu”, como definia Churchill. Nas crises ou fora delas, o governo é sempre aplaudido.

Quem seria capaz, hoje, de promover um “swadesh”, um boicote às mercadorias importadas, como sugeriu Gandhi aos indianos, como estratégia para alavancar a economia contra a entrada de produtos ingleses na Índia ou deixar de pagar escorchantes tributos à Inglaterra? Gandhi foi um ícone moral. Com seus óculos redondos, suave sorriso e mãos postas em oração, conserva imagem perene em nossas mentes.

Outro exemplo de estadista da contemporaneidade é John Kennedy, mesmo com histórias picantes na vida pessoal. Sua fala empolgava as multidões: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer por seu país”. O carisma se estampava na face sorridente, na virtuosidade das palavras, no sonho que acalentava de ver uma América feliz, apelo que também guiou outro líder moral dos EUA, Martin Luther King.

Entremos nos nossos trópicos. Sem esmiuçar o passado, até para diminuir o contencioso polêmico, comecemos no final da década de 50. O retrato é o de Juscelino Kubitschek, JK, cujo sorriso aberto conquistava a simpatia da massa. Colou nele o selo do desenvolvimentista, que consolidou a indústria automobilística, e fez Brasília, celebrando a expressão: “Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta Alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino.

Na linha da autoridade moral, aparece, a seguir, Jânio Quadros, com seu olhar oblíquo e medidas esdrúxulas. Ficou apenas sete meses no comando da Nação, mas tinha carisma. Impunha respeito. Ai de quem não executasse as ordens de seus bilhetinhos. Implantou uma política externa independente, ganhando apoio mundial nos tempos nervosos da Guerra Fria. Conhecedor da língua portuguesa, abusava de ênfases, mesóclises e próclises, que propiciaram uma corrente de imitadores. Matreiro, histriônico, escancarava as portas da mídia. Na campanha para prefeito de São Paulo, em 1985, ia ao estúdio da TV Record, na avenida Miruna, em SP, para fazer duros pronunciamentos contra bandidos e corruptos. Fazia um programa eleitoral tosco, mas dava o recado, enquanto Fernando Henrique exibia um vídeo com recursos cinematográficos. JQ ganhou o pleito com seu estilo.

De JQ até os dias de hoje, só apareceu Luiz Inácio com estoque de carisma e volume de lealdade moral restrita às correntes petistas. Mas os escândalos que envolveram o PT corroeram seu tamanho carismático, destacando-se o fato de que Lula e seu partido dividiram o Brasil em duas bandas, “nós e eles”.

Em suma, falta-nos, hoje, um líder moral, um perfil com voz aplaudida por grupos de todas as classes sociais. Quem souber onde ele se encontra, favor anunciar o nome.

 

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação. Twiter@gaudtorquato