O brasileiro não tem a convicção de um anglo-saxão, para quem pau é pau, pedra é pedra. Dependendo do momento e das circunstâncias o pau pode ter a consistência de pedra a ponto de o homo brasiliensis jurar diante de um tronco de madeira que se deparou com uma dura rocha. Essa característica tem raízes no dna do nosso povo, alegre e acolhedor, flexível e adaptável aos momentos.
Somos um povo de paz. Que procura harmonizar posições, tirando proveito das situações, piscando à direita e à esquerda. Não somos de pegar forte no trabalho, dizem. Conta-se, até, a historinha do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), em seu primeiro comício, no Largo da Carioca, no RJ idos de 1945: “brasileiros, precisamos trabalhar”. Do meio do povo, um ouvinte gritou: “vixe, já começou a perseguição”. O comício quase acabou.
O fato é que não cultivamos a semente das convicções. Somos afeitos às imprecisões. “Quantas horas o senhor trabalha por semana”? “Mais ou menos 36 horas”. “O senhor é católico”? “Sou, mas não vou à missa”. Petrolina não viu, até hoje, uma gota de petróleo de sua terra, nem Petrolândia ali perto. Quem leu Jorge Amado chega à conclusão de que a Bahia de Todos os Santos deveria ser apropriadamente chamada de Bahia de Todos os Pecados.
Já o gordo pernambucano Ascenso Ferreira, genial intérprete da nossa cultura, cantava: “Hora de comer – comer! Hora de dormir – dormir! Hora de vadiar – vadiar! Hora de trabalhar? – Pernas pro ar que ninguém é de ferro!”
Nada por aqui é definitivo. Há sempre um acréscimo, um “porém”, um drible dando curvas no foco das interlocuções. No terreno da teatralização política, isso é mais frequente. Daí a flexibilidade que mede as condutas do eleitor brasileiro. Não temos mais a lealdade que se via nos tempos da UDN e do PSD, partidos que dominaram a cena no passado. Há, hoje, uma intermediação de fatores a influir na decisão do eleitor. O eleitor sobe à gangorra por meio de alguns empuxos. O primeiro é o bolso, garantido por um emprego ou adjutório com o qual possa ajudar a família. O segundo fator é a proximidade com o candidato, aqueles com melhores condições de suprir as demandas. O eleitor faz comparações. O terceiro é o discurso do candidato, aquilo que o diferencia de outros e que também tem condição de ser avaliado: será que este candidato fará mesmo o que promete? Por isso, o candidato deve demonstrar os meios para a execução de suas promessas.
A seguir, aparece o grupo de referências, as entidades e lideranças respeitadas da região, cujas opiniões sobre os perfis são ouvidas e respeitadas. A própria maneira de o candidato se apresentar – formas de vestir, de se locomover (a pé, de carro), de gesticular e se mover em palanques – chama a atenção. O espalhafato, nesses tempos mais tristes e de prevenção – afasta.
O Brasil da pandemia é capaz de encher as ruas com gente clamando por mudanças, o que funcionará como aríete contra os espetáculos falsos da política. O eleitor está mais apurado, mais exigente, mais desconfiado. As pesquisas mostram a inclinação do eleitorado para as mudanças. O alto índice de rejeição dos dois principais candidatos revela desinteresse pela política, um puxão de orelhas nos políticos e suas práticas. Programas eleitorais mostrando candidatos como produtos de consumo de massa, com a imagem construída via efeitos cosméticos, podem ser um bumerangue.
O que se vê hoje no cenário é um triste retrato da longa distância que separa os anseios do povo do discurso dos candidatos. Não existe a menor conexão entre o recado das massas, esse ativismo ansioso que corre pelas redes sociais, viagens e falas vazias dirigidas a pequenos públicos escolhidos pelas assessorias. Maior prova é este início de campanha gelado, de acusações recíprocas e desprovido de engajamento.
Por último, o espírito do tempo, o vento da mudança. Quando o vento corre para um lado, ensinava meu saudoso pai, ninguém desvia sua direção.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação. Twiter@gaudtorquato