O aço e a segurança nacional

É preciso ter cuidado com soluções simplistas para um problema complexo

Um setor siderúrgico integrado à economia é indispensável para a manutenção da autonomia energética, militar e alimentar de um país, principalmente um de dimensão continental. Não é à toa que praticamente todas as maiores economias do mundo são – ou foram e agora se arrependem – importantes produtoras de aço.

Nosso parque siderúrgico é tecnologicamente atualizado e bem posicionado em termos de produtividade relativa (homem/hora por tonelada) frente aos principais competidores. Somos o nono produtor mundial, com capacidade instalada de 51 milhões de toneladas e aptos a suprir plenamente a demanda doméstica – e ainda exportar. O consumo de aço no Brasil se expande com a intensidade de uso e, principalmente, com o crescimento econômico, uma das razões pelas qual o setor enfrenta dificuldades desde a recessão de 2015/2016.

O choque profundo e inesperado da Covid-19 levou à paralisação imediata de muitos setores econômicos. Esperava-se que o corte de demanda produzisse queda generalizada dos preços e que a retomada ocorresse de maneira gradual. O que se viu, entretanto, foi a canalização de boa parte da demanda de serviços para bens, sem ajuste adequado da oferta.

Houve falha generalizada na antecipação desse movimento (e de sua intensidade), o que levou à completa disrupção dos processos produtivos. Os preços se elevaram e o mundo sofre hoje com entraves de logística e carência de insumos, peças e componentes, principalmente no setor industrial. Mesmo onde a paralisação não foi completa, prevê-se retorno gradual, em alguns casos, só em 2022.

No setor do aço não haveria de ser diferente. A reversão mais rápida e intensa da queda de demanda e a necessidade de reposição de estoques de consumidores diretos e da rede de distribuição elevaram preços e tornaram a regularização da oferta mais lenta do que o desejado.

É preciso, portanto, ter cuidado com soluções simplistas para um problema complexo, principalmente num contexto global que reforçou protecionismos existentes para enfrentar as consequências da pandemia. Os EUA, por exemplo, expandiram a taxação e o regime de cotas das importações de aço. A Europa implementou salvaguardas.

O imposto de importação do aço no Brasil deve, portanto, ser analisado neste quadro conjuntural e sem que se perca de vista a importância estratégica do setor no longo prazo. Não se pode comprometer a sua competitividade, já prejudicada pelos demais custos com os quais a indústria nacional convive.
Aproveito para apresentar a minha solidariedade à família de nosso grande filósofo Roberto Romano.

Antônio Delfim Netto: Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”