Miséria pouca é bobagem

Pela proposta da equipe econômica do governo federal, já aprovada na Comissão Mista de Orçamento, o salário mínimo em 2020 seria de miseráveis R$ 1.039, reajuste de 4,2%, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), representando a inflação do período e, claro, sem aumento real.
Esse comportamento do governo federal, que vem de décadas, não cumpre o que está estabelecido no artigo VII, inciso IV da Constituição de 1988, onde diz que o salário mínimo deveria atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família “com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. Segundo cálculos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), para fazer frente a tais despesas, o salário mínimo deveria ser de R$ 4.143, longe do valor atual de R$ 998 por mês.
A má notícia no entanto, é que o Governo vai cortar R$ 8,00 do miserável salário, porque a previsão de um dos indicadores econômicos (NPC) vai oscilar meio ponto percentual para baixo. Matemáticas e aritméticas que o pobre do trabalhador não entende, nem que se esforce.
Mas essa distância poderia ser ainda maior não fosse a estabilização econômica com o Plano Real e a política de aumentos reais do salário mínimo, implementada a partir de 2003. Segundo cálculos do Dieese, em julho de 1994, quando implementado o Plano Real, o salário mínimo era de R$ 64,69; se houvesse sido corrigido somente pela inflação, seria de R$ 403,42, menos da metade do valor atual.
Entende-se que a correção do salário mínimo aumenta os dispêndios do governo, provocando mais gastos em benefícios previdenciários, e também indexando o abono salarial, seguro-desemprego e benefícios sociais da Lei Orgânica de Assistência Social.
No entanto, é preciso levar em conta os impactos negativos que a falta de ganhos reais causam na renda do trabalhador, reduzindo o seu poder de compra. Por consequência, prejudica indústria, comércio e serviços, pois diminui-se o consumo, provocando retração na economia. E esse círculo vicioso parece não ter solução. Pelo menos não no Brasil, onde os impostos aumentam ao sabor dos governantes.
O que se apresenta, assim, é um dilema que terá de ser resolvido com um olho nas contas públicas e outro nas consequências de um salário mínimo encolhido. Talvez ajude a pergunta: a economia estaria melhor ou pior se, desde o Plano Real, o salário mínimo houvesse sido corrigido somente pela inflação?