Minha mãe se foi

Antes de mais nada, quero aproveitar este espaço para agradecer pela generosidade de inúmeras, quase incontáveis manifestações de pesar que recebi nestes dias. Carinho de tantas palavras que sem dúvida são conforto e alento para tamanha dor e imensa saudade. Só quem já passou por isso pode dimensionar. Se você não passou, não deixe de abraçar seus pais, seus filhos e amigos e estar com eles o quanto puder.

Telefone todos os dias e quando ligarem, atenda com paciência. Responda a todas as perguntas, ouça suas histórias e agradeça a Deus cada refeição e cada dia de proximidade. Quando isso tudo vira silêncio e ausência, parece que o mundo paralisa e chega a ser desesperador.

Vivi 40 anos e vou ter que reaprender a existir por aqui sem sua presença física, sem seu arroz com feijão, sem aqueles olhos castanhos, sem o divino amor materno que foi tecido em minhas carnes e gravado no meu coração e em tudo que hoje consigo ser.

Minha mãe não deixou nenhuma propriedade. Nunca teve uma casinha para chamar de sua. Pouco soube ler e escrever. Chegou por aqui vinda da cidade de Pedra Bela com a família para trabalharem nas olarias do nosso Rio Abaixo e naquela época em que éramos a Vila de Juquery. Perdeu a mãe muito jovem e mesmo sem essa referência, soube ser a melhor mãe para dois filhos que criou sozinha. Zoraide foi guerreira, leoa protetora para nos dar sustento. Cada conta paga com o dinheirinho enroladinho na mão para honrar a confiança de quem lhe conheceu e testemunha sua honestidade.

Bateu seus tijolos, mas foi na casa de Dona Preciosa e seu Eurípedes que desde cedo aprendeu as suas lições. Por anos Dona Zô trabalhou ali no setor onde guardam os alimentos da merenda escolar. Ficou até se aposentar e tantos vieram ao seu encontro por diversas vezes com saudade de tomar seu cafezinho e comer as delícias que ela cozinhava.

Eu sempre pedia que quando chegasse essa hora, ela partisse num susto e pudesse adormecer como um passarinho. Deus escreveu pelas linhas tortas da doença para que a gente pudesse ir se despedindo e no sofrimento estivéssemos mais próximos, redescobrindo valores e para que fosse fácil perceber quem é quem. Quando foi embora a utilidade e ficou o significado, logo me dei conta do sentido de existir.

Se eu não tivesse a certeza da vida eterna e do encontro que teremos na plenitude, confesso que não teria motivação para ir em frente.

 

Luís Alberto de Moraes tem formação em Letras, leciona há quase vinte anos e prepara o lançamento de um livro de crônicas e poemas. @luis.alb