Menos mal do que parece

Indicador de atividade para acompanhar a trajetória do PIB trouxe quadro melhor

Os números recentes da atividade econômica no Brasil revelam um fato curioso. A despeito das confusões políticas ininterruptas que se arrastam e se agravam mês a mês, o setor produtivo brasileiro parece ter dominado a arte de trabalhar em um país que se revela cada vez mais preso na disfuncionalidade e inoperância da política.

A resiliência da economia à segunda onda não é particular ao Brasil. Na Europa, por exemplo, que para frear a segunda onda da pandemia implementou “lockdown” de verdade – não restrições à mobilidade para “inglês ver” -, a queda na atividade foi muito menos pronunciada tanto frente à primeira onda quanto ao esperado pelos analistas. Com isso, as projeções de atividade em algumas economias começam a ser revistas para cima.

Isso sugere alta capacidade do setor produtivo em se adaptar-se à Covid-19, o que era esperado conforme se desse o aprendizado e a apreensão de informações sobre a doença. Esse fator comum indica também que, caso fosse essa a única preocupação de alguns, mais poderia ter sido feito para conter o avanço do vírus no Brasil com pouco impacto sobre a economia.

Mas o que chama a atenção por aqui é que isso ocorra apesar da algazarra política, da CPI e do já conhecido expediente do presidente em conduzir o país num ambiente de elevadas incertezas e na base do conflito permanente. Talvez o mundo real tenha resolvido esquecer/ignorar governo e Congresso. Se for isso, é uma excelente notícia e uma fórmula necessária para conviver com eles – e sobreviver!

Ainda que o choque da Covid traga um desafio adicional à interpretabilidade dos dados em alta frequência, os números recentes têm se mostrado mais favoráveis. Mesmo o setor de serviços, o que mais sofre com as restrições de mobilidade colocadas em curso em março e abril, teve queda inferior ao esperado. Surpreenderam positivamente também a indústria e o setor externo.

Os números do indicador mensal de atividade calculado pelo Banco Central para acompanhar a trajetória do PIB também trouxeram um quadro melhor. As expectativas de crescimento, cuja mediana caía lentamente de um máximo de 3,5% no começo do segundo semestre do ano passado até atingir um mínimo próximo a 3% no ápice da segunda onda, começam, lentamente, a ser revisadas para cima.

Devemos encerrar 2021 com um crescimento mais próximo a 4% do que 3%. Nada estupendo na esteira de uma queda de 4,5%, mas revela que os programas de emprego e renda funcionaram e que o setor produtivo resistiu. O desafio será tornar essa recuperação cíclica em crescimento sustentado, tarefa que desaprendemos há décadas.

 

Antônio Delfim Netto: Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”