Hoje, tomo a liberdade de fazer uma reflexão sobre a vida. Valho-me, inicialmente, de Sêneca com seu puxão de orelhas: “somos gerados para uma curta existência. A vida é breve e a arte é longa. Está errado. Não dispomos de pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações as mais importantes, caso toda ela seja bem aplicada. Porém, quando se dilui no luxo e na preguiça, quando não é despendida em nada de bom, somente então, compelidos pela necessidade derradeira, aquela que não havíamos percebido passar, sentimos que já passou”.
A vida passa e não percebemos o quanto ela avançou. De repente, damo-nos conta de que o tempo que gastamos foi usado de maneira fútil, sem percebermos que nossos dias finais chegam rapidamente, trazidos pela cegueira de darmos valor à coisas que desperdiçam nossa atenção, guiados pelo voluntarismo que nos aproxima da materialidade cheia de magia da vida material. É a preocupação exagerada com a estética, é a discussão radical que não faz crescer a pessoa, é o pingo de azeite que mancha nossa gravata, a ponto de consumirmos um bom tempo para deixá-la limpa e sem mancha.
Buscamos os apetrechos de uma vida fútil, imbuídos da cultura do entretenimento ou encantados com a perspectiva de cercarmos nosso dia a dia com os adereços do espetáculo formado por um conjunto de rotinas onde se destacam a vontade de aparecer, do brilhareco passageiro e competitivo que se cria em torno das pessoas, do estilo “ficar na onda”. No fundo, cada qual quer ser melhor do que seu semelhante.
Não estou a me referir ao prazer das coisas boas – um bom vinho, uma boa conversa, um bom filme, um bom livro – nem livrar ninguém de seus hobbies. O que está em tela nesta modesta reflexão é o desvio em direção à frivolidade, ao universo dos movimentos inúteis que fazem gastar o tempo que temos, adiando coisas prioritárias, incutindo-nos a cultura do “deixa para amanhã”, sob a força de uma certeza que tenta justificar todos os atos. O que nos leva à inexorável verdade de que padecemos de uma grande mentira, a mentira que invade todos os poros, incluindo povos e Nações.
Como lembra Sêneca, a vida se divide em três temos: o que foi, o que é e o que será. Destes, aquilo que vivemos no presente é breve, o que viveremos é dúbio, o que vivemos no passado é certo. Aos atarefados “diz respeito apenas o tempo presente, que é demasiado breve para ser capturado, e mesmo este é subtraído àqueles distraídos em muitas ocupações”. Ao contrário, uma mente lógica, fonte de paz e harmonia funciona como uma bússola a mostrar o caminho do vento, as veredas do caminho, os focos a atingir, os objetivos a alcançar.
A vida só é mesmo sentida e percebida diante dos grandes riscos que enfrentamos, do medo que avança ante o desconhecido e que ameaça consumir nossas energias, do perigo a que somos levados quando nosso corpo tem dificuldades de administrar as intempéries do tempo.
Resta resistir aos contratempos que aparecem, quando menos se espera, e que servem como massa de manobra de certa categoria de protagonistas, como os individualistas, os populistas, os demagogos, os negacionistas, os obscuros, os oportunistas.
Há de surgir um novo tempo na vida de quem quer mudar. Ruim é ficar na mesma condição, prezando tudo aquilo que é dispensável. Há de renascer na mente daqueles que querem enfrentar a vida sem dribles e de maneira autêntica um novo olhar sobre sua própria identidade. É hora de mudar. É hora de rever os horizontes. É hora de ver o sol nascer e se pôr sem vista embaçada.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação. Twiter@gaudtorquato