Fui ter com o Mestre

Hoje eu peguei minha dor, coloquei no bolso e sai por aí. Passei por uma senhora carregando uma sombrinha e pela grossa lente dos seus óculos presumi não me notaria. Mesmo assim, tratei de não deixar um pedaço sobressaltado chamar sua atenção. Uma jovem de cabelos longos, essa sim mais atenta, percebeu que eu levara algo diferente no bojo e questionou. Prontamente disse calmo que eram uns pedaços do meu doce preferido que guardei para mais tarde. Ela sorriu como quem teve certeza da mentira, mas seguiu.

Mais à frente por cima da ponte imaginei que quando minha morte chegar, quero ao menos saber onde estiver, que aqui tanta gente chora inconformada e comenta como pode justo eu ter ido embora. Que lamentem tanto e que por dias cabisbaixos se peguem lembrando de algum gesto meu que tenha ficado marcado em suas memórias. Que a saudade venha sempre que passarem por algum ladrilho onde meus passos estiveram e que uma lágrima amarga seja contida e disfarçada pela ponta do dedo indicador. Um vazio tome conta como um abismo gigante mergulhado em um segundo de pausa, pela voz embargada depois de recordar alguma frase minha. E que pela manhã quando pensarem que não mais estou aqui, pareça uma grande mentira de tão absurda ausência.

Hoje eu dobrei os tecidos por sobre a cama vazia e olhei na parede os quadros dizerem de algo que eu tinha e que ficou esquecido em alguma sala sem testemunhas. Que se perdeu na insanidade oculta dos abismos onde jogam nossos sonhos impactados nas rochas. Se dilaceram irreconhecíveis em milhares de pedaços brancos como acontece nos locais de grandes tragédias criando cenários devastados e sombrios.

No final da rua encontrei um menino que caminhava de bermuda. Vacilei e fui surpreendido com as dores expostas. Ele pareceu não entender. Era como se não importasse coisa alguma. Fui perdendo a vergonha e sentei com ele para esperar. Desenrolou um pequeno pedaço de papel onde escrito a tinta havia alguns versos. Quando eu li finalmente entendi. Me levantei e fui ter com o Mestre.

 

Luís Alberto de Moraes tem formação em Letras, leciona há quase vinte anos e prepara o lançamento de um livro de crônicas e poemas. @luis.alb