Especialistas analisam futuro do futebol brasileiro

Modelo empresarial pode ser o caminho de vários clubes brasileiros

O final de ano está chegando e os clubes brasileiros já começam a traçar o planejamento para a próxima temporada. Levando em consideração as boas práticas, os gestores das equipes brasileiras devem contratar e dispensar jogadores, sem esquecer da saúde financeira. Segundo Cesar Grafietti, economista especialista em gestão e finanças, o ano de 2022 deve ser visto como uma oportunidade após dois anos conturbados por causa da pandemia do novo coronavírus (covid-19).

“2022 tende a ser um ano normal após dois anos de imensas dificuldades. Depois do susto de 2020 e da reorganização de 2021, em 2022 os clubes precisarão se controlar ainda mais para poderem se aproveitar do potencial aumento de receitas com o retorno pleno de público nos estádios. Isto significa, inclusive, repensar os programas de sócios-torcedores, de forma a torná-los mais eficientes, interessantes e rentáveis”, declarou o executivo.

Na mesma linha, o diretor-executivo de futebol do Avaí, Felipe Ximenes, que acumula passagens por Atlético-MG, Coritiba, Flamengo, Fluminense e Santos, diz que a prioridade deve ser o aprimoramento da gestão profissional no que ele chama de “poderosa indústria do entretenimento”.

“O desafio dos clubes continua sendo o mesmo: entender o futebol de maneira profissional. Alguns estão mais avançados neste aspecto, outros não. Compreender que o futebol pertence a uma poderosa indústria do entretenimento e que não há espaço para amadorismo na gestão, tampouco fortes interferências políticas e estatutárias”, afirmou.

Mas nem sempre o equilíbrio das contas é garantia de sucesso dentro das quatro linhas. Este é o caso do Grêmio, que vive risco alto de rebaixamento no Campeonato Brasileiro mesmo gozando de equilíbrio financeiro. Entretanto, outros fatores influenciam no desempenho dos clubes em uma temporada.

“Sempre que falamos de gestão é preciso entender que ela é a soma entre o financeiro e o esportivo. Não basta um financeiro equilibrado se o esportivo tem falhas. E o Grêmio falhou muito nos últimos anos ao dar carta branca e atender a todas as demandas do Renato [ex-técnico da equipe, agora no Flamengo]. O clube formou elenco desequilibrado, montado por um treinador que já estava desgastado. Foi substituído por um veterano [Felipão], que tem modelos de jogo e esportivo distantes do que o futebol atual pede, e seguiu errando com a manutenção de uma estrutura esportiva com problemas. Serve de alerta para quem não entende esta combinação entre financeiro e esportivo”, analisou Grafietti.

O executivo ainda defende que o maior desafio dos clubes no ano que vem será a transição para o modelo empresarial: “Clubes se organizando para virar empresa [o maior desafio]. Na verdade, a resposta deveria ser clubes se organizando para modernizar suas gestões, mas, infelizmente, o modelo associativo não está ajudando nesse sentido. Então, precisam pensar em se transformar em empresa, pois dessa forma podem se organizar com algum objetivo real. A melhora da gestão pela gestão não costuma ser incentivo suficiente para mudanças”.

Uma parceria que vem dando certo no Brasil, no modelo do clube-empresa, é o Bragantino, que está sob a gestão da empresa austríaca Red Bull desde abril de 2019, quando se tornou RB Bragantino. De lá pra cá, a equipe do interior paulista conseguiu o acesso da Série B para a Série A do Campeonato Brasileiro. Além disso, na atual edição do Brasileirão, o Massa Bruta está disputando vaga na Libertadores do ano que vem.

E não para por aí, já que o Bragantino fez a final da Copa Sul-Americana contra o Athletico-PR. Apresentando resultados positivos, Ximenes aprova o modelo de gestão adotado pelo time de São Paulo: “Sem dúvida. Entretanto, é importante destacar que o Bragantino não é uma SAF [Sociedade Anônima do Futebol], apesar de ser clube-empresa. Se quiser pode se transformar, como a nova lei permite, chamado de clube-originário. O Bragantino é uma demonstração clara de estabilidade, pensamento em médio/longo prazo e gestão séria”.

Já Grafietti afirma que o Massa Bruta não pode servir de exemplo para outros clubes: “O Bragantino é um caso excepcional, e de difícil imitação. É um modelo em que o mais importante é a exposição da marca, e parte relevante dos custos é coberta com recursos do acionista. Não dá nem para usar como exemplo de modelo de gestão, pois é pouco transparente e tem uma estrutura pouco difundida”.

Contratações – Nos últimos anos, Flamengo e Palmeiras formaram elencos de maior investimento, assim como Atlético-MG e Corinthians fizeram este ano. Segundo Grafietti, no ano que vem clubes mais organizados deverão formar equipes mais audaciosas. “Depende muito de clube para clube, mas para os que estão mais equilibrados sim. Os que têm menos dívidas, ou que estão com elas equacionadas, terão mais dinheiro, e isso fará enorme diferença na competitividade”, defende.

Já o diretor-executivo do Avaí acredita que a saída para clubes com menos torcedores/consumidores é investir nas categorias de base para poder concorrer de forma mais igualitária: “Ter uma categoria de formação estruturada e com bons processos. O que mais dá dinheiro no futebol é a venda de jogadores, além do retorno esportivo. Além disso, o perfil de consumo tem mudado. Crianças e jovens da geração Z, em boa parte, já não possuem predisposição para torcer para um único clube. Eles gostam do jogo, da indústria e das histórias por trás disso, tendo o jogador como ídolo. Isto pode ser explorado pelos clubes”.

Neste sentido, atualmente é comum observar o aumento do interesse de jovens pelo futebol europeu. Acompanhar os campeonatos e adquirir produtos de clubes do Velho Continente tem ocorrido com maior frequência e de forma crescente. Os gestores brasileiros de mídia vivem o grande desafio de recuperar e não perder audiência para competições estrangeiras.

“O interesse do jovem no futebol brasileiro vai voltar a partir do momento que conseguirmos resgatar a ida ao estádio, o relacionamento com o clube, o ídolo serem trabalhados e discutidos, estando presente na vida destes jovens. Da mesma forma que hoje o futebol europeu faz tudo isso, além de terem excelente transmissão. Ou seja, a produção deste conteúdo pelas emissoras locais na Inglaterra, na Espanha e na Itália. Este trabalho é muito bem-feito, tem conteúdo muito além das quatro linhas, o que acaba criando essa relação muito próxima com o fã do Brasil”, declarou o vice-presidente de mídia da IMG no Brasil, Evandro Figueira.

Evandro também destacou a dificuldade de manter o engajamento dos jovens em plataformas digitais: “O engajamento do jovem hoje é muito diferente, e ele continuará mudando muito rapidamente de um ano para o outro. Então acho que o importante é entender o jovem do momento e o que podemos fazer. É só olharmos e vermos as plataformas digitais que temos hoje. O Facebook, por exemplo, já é visto por alguns jovens como coisa de velho. Além disso, temos Instagram e Tik Tok. Ou seja, a cada momento surgem plataformas, momentos e formas novas de interação para atingir este público”.

Gigantes brasileiros – 2021 foi um ano indigesto para clubes campeões Brasileiros como Vasco e Cruzeiro, que não conquistaram o objetivo de subir da Série B para a Série A do Campeonato Brasileiro. O caso da Raposa é ainda mais complicado, pois 2022 será o terceiro ano consecutivo que disputará a segunda divisão. Para Grafietti, a dupla terá de lidar com o desafio de trabalhar com receitas reduzidas.

“O desafio será ainda maior, porque seguem com receitas reduzidas, e enfrentarão equipes cada vez mais bem organizadas, inclusive considerando os que chegam da Série A. Porém, terão pela primeira vez a real oportunidade de usufruir do respaldo do torcedor em campo. Mais do que nunca é momento de buscar a eficiência na gestão esportiva, gastando de forma consciente e com projeto esportivo apropriado à realidade”, complementa. (Rafael Monteiro/Rádio Nacional/RJ – Foto: Fernando Torres/CBF/Direitos reservados)