Dia de chuva

Na dureza das demoras, logo as penso necessárias. Há um tempo para cada coisa e que eu saiba sempre o meu lugar, mesmo que ninguém enxergue.

Difícil é vislumbrar algo em meio a essa neblina. Indizível medo do escuro. Tem que ser muito dono para encarar estar só e se bastar. Engraçado essa gente escrevendo para outros lerem aquilo que eles próprios estão precisando. Deve ser um tipo de autoajuda misturada com inspiração. No fundo todo mundo quer um amor, disso eu sei bem. Cada toque deixa marca, pode crer. Quando a música acaba, a festa termina, cessam os risos disfarçados de segurança no efeito do álcool e cada um por si só no ninho se afoga um pouco mais.

Tantas vezes elas já quiseram nascer e mantive no útero, por preguiça ou por achar que não tinham valor. Que bobagem! O que importa é transbordar. Perda de tempo não ir além. Então deixo essas gotas me molharem as partes salientes, como naquele tempo em que no alto do barranco eu do banco olhava as luzes das ruas bem menos povoadas dessa vila. Era incrível e suficiente. Qualquer enredo era bom. Dava assunto por horas, até dias. Faltavam preocupações, sobravam sonhos.

No canto os guarda-chuvas que vem repousar juntos. Cada um trouxe sua história. Os encharcados viajaram maiores distâncias. Provável que igualmente cheios d’água, devem estar os pés e as meias dos que aqui chegaram driblando as poças. Há também os quase secos. Devem ter se exposto por poucos metros, do conforto dos carros até aqui. Igualmente indispensáveis. Para trás ficaram os que minutos depois, já tinham se esquecido, também os que restaram partidos de ausência os corações.

Já imagino gente reclamando que chove justo hoje. São Pedro deve apertar as chaves por entre os dedos de raiva dessa gente que nunca está contente. Eu só te peço: molha-me devagarinho, que é para ver se eu gravo bem essas gotas e faço delas o rio que preciso navegar até a chegada que mereço. E que quando findar a viagem, tenha tantos motivos para aplaudir o caminho, que você diga satisfeito: Ele está aqui!

Luís Alberto de Moraes tem formação em Letras, leciona há quase vinte anos e prepara o lançamento de um livro de crônicas e poemas. @luis.alb