Conselhos de quem já perdeu

Segundo o Guinness World Records, o ser humano vivo mais idoso do mundo é um venezuelano que completou 114 anos no último dia 27 de maio. Juan Vicente Pérez casou-se uma única vez e está viúvo há quase 30 anos. Pois é, o mais longevo ser humano da atualidade é sul-americano e goza de relativa boa saúde, já totalizando 41 netos, 18 bisnetos e 12 tataranetos. A pressão arterial dele é melhor do que a de muitos leitores do “Correio” e fora uma certa deficiência auditiva, segue firme e centenário ao lado de sua família.

Apesar de toda sua experiência e de ter vindo a esse mundo em 1909, antes mesmo que o Titanic afundasse, terminará seus dias não se sabe quando, mas no dia que se for, certamente não terá aprendido a lidar com a morte. Não a dele, mas daqueles que durante todas essas décadas ele viu partir.

A gente nunca se acostuma com a morte e com a sensação que ela carrega. Impotência diante do imutável e a dor de perder é algo ou alguém, só um coração enlutado pode falar a respeito, sem que esta dor seja mensurada. Você leitor, que já perdeu alguém, sabe exatamente do que descrevo agora.

Tudo o que vivemos só pode ocupar dois destinos dentro de nós: ou vira uma lembrança boa ou se torna um remorso. Administrar um luto, isto é, cair a ficha de quando alguém vai embora, seja porque morreu, seja pelo fim de um relacionamento ou pelo fato de que foi necessário partir, ocupa uma força psicológica descomunal e apresenta a maior das dificuldades: justamente a dor do arrependimento.

Terrível é vasculhar a memória e remoer as coisas que poderíamos ter feito ou falado. Triste não conseguir se perdoar por algo que não tenhamos vivido ou por não ter percebido que era preciso estar em algum lugar que não existe mais. Saudade boa ou remorso doído são os dois campos onde plantamos as sementes dos nossos significados.

Quando eu sentava no sofá da casa da minha mãe, achava que era para tomar o cafezinho dela. Quando eu me servia da sua comida, achava que era porque eu estava com fome e precisava me alimentar rápido para voltar ao trabalho. Não era nada disso! Eu estava construindo uma saudade boa para o futuro. Não há outro tempo que me pertença que não seja apenas o agora. Não consigo mais alterar o passado e o futuro também não está garantido. Nem sei se terei o dia de amanhã, quanto mais chegar aos 114 anos do Sr. Juan. Já que não tenho como mudar o jeito que saio de casa, então eu me esforço para modificar como voltarei.

Prestar atenção em tudo que acontece ao redor é um exercício bonito de festejar a vida sem que para isso sejam necessárias datas específicas para dizer do amor que sentimos, presentear só quando há motivo ou se alegrar apenas quando a ocasião apontar a necessidade. Os dias mais luxuosos sempre foram os momentos em que não havia fartura na mesa, já que a riqueza não se podia encontrar naquilo que comíamos, mas sim na presença um do outro para o gesto. Percebendo isso a tempo, produzimos as melhores memórias na certeza de estar vivendo a vida que vale a pena ser vivida.

Luís Alberto de Moraes – @luis.alb – Autor do livro “Costurando o Tempo – dos Caminhos que Passei”