Colega de sala

O exercício era simples: entrevistar uma pessoa com o objetivo de encontrar alguma passagem ou acontecimento na vida dela que valesse a pena ser aprofundado em uma reportagem. Era apenas um exercício em uma das aulas do curso de jornalismo; a reportagem nem seria realizada de verdade. O professor anuncia que as duplas vão ser escolhidas por ele, o que gera o habitual pânico geral, já que todo mundo prefere fazer qualquer tipo de exercício com um amigo próximo, aquele com o qual você já tem facilidade na troca de ideias e discutir questões. Mas, como a finalidade do exercício é explorar as memórias do outro, os pares são formados justamente por aqueles que menos têm intimidade (não faz sentido tentar conhecer alguém que você já conhece, né?).
O meu nome é falado em voz alta, mas eu não ouço o nome da minha dupla. Só quando todos os pares são finalmente formados é que eu descubro quem é a colega que faria o exercício comigo e parece que o professor acertou em cheio, pois eu realmente nunca tinha trocado mais de duas ou três palavras com ela. Começamos com certa timidez, é claro. Deixo que ela faça as perguntas (a verdade é que eu não fazia ideia do que perguntar sobre a vida de uma pessoa que eu mal conhecia).
Ela pergunta sobre a minha infância e eu respondo de acordo com as coisas que eu lembro. Algumas memórias se confundem; é o efeito do tempo que vai deixando o passado nublado, revelando apenas aqueles detalhes que guardamos com mais carinho. “Será que isso aconteceu desse jeito mesmo?”, eu me perguntava.
Chegou a minha vez de fazer as perguntas e de início só repeti as que ela havia me feito quando foi sua vez de perguntar. Porém, quanto mais a conversa avançava, mais perguntas eu tinha. Descobri que ela fazia duas faculdades e era apaixonada por matemática. Ela descobriu o meu gosto por livros de ficção e um hábito que pouca gente sabe: prefiro não v er o filme antes de ler o livro. No final dos trinta minutos de duração do exercício, uma conversa rápida, eu senti que a conhecia. Não, não nos tornamos amigos íntimos, mas conhecidos, que não se conheceram através de coisas que outras pessoas falaram e nem que desenvolveram aquele tipo de relação superficial de colegas que só se cumprimentam, mas não param para conversar.
Conhecimento que se deu através da troca de experiências. Que falta faz dedicar trinta minutos ou mais para as pessoas.