Cada um dá aquilo que tem

Está aí uma frase que comumente repito para os mais próximos, mas, sobretudo, para mim mesma: “Cada um dá aquilo que tem”. Há uma simplicidade cruel nessa frase e ela encerra, em poucas palavras, a explicação para muitas dores e muitos desencontros da vida.
A existência é, antes de tudo, um exercício de transbordamento. Somos recipientes de alegrias, de mágoas, de silêncios. Inevitavelmente, aquilo que nos preenche escorre para fora, tingindo o mundo à nossa volta. É curioso como, algumas vezes, esperamos dos outros atitudes que eles não são capazes de oferecer. Queremos compreensão de quem carrega impaciência. Buscamos integridade de quem é desleal. Almejamos escuta de quem nunca aprendeu a ouvir. Queremos colher no outro aquilo que ele jamais pôde plantar em si mesmo.
A verdade é que ninguém oferece o que não tem. Quem guarda rancor, inevitavelmente, espalha dor. E quem está ferido, se não buscar se curar, vai sangrar em cima de outros. Parece agressivo falar dessa forma, mas é a pura verdade. E quem age assim, muitas vezes, não é por maldade, mas por falta de ferramentas internas diferentes. Pode ser que a pessoa nunca tenha recebido algo melhor e tampouco buscou cultivar algo diferente, então acaba conhecendo somente isso e, por consequência, oferece o que conhece.
Mas essa constatação não pede que nos resignemos à dor. Não nos obriga a aceitar maus-tratos, nem nos prende a vínculos que nos machucam. Na verdade, entender isso é libertador. Traz serenidade compreender que o que outro oferece é sobre ele, não sobre nosso valor. A pessoa é daquela forma e é aquilo que ela tem a oferecer. Ou você fica e aceita, ou se retira e segue seu caminho.
Quando entendemos que cada um dá aquilo que tem, olhamos com menos rancor para quem nos decepcionou.
Sentimos menos raiva de quem nos ofereceu silêncio quando precisávamos de palavras. Paramos de pedir água onde só há terra seca. E mais importante: voltamos nosso olhar para dentro. O que temos oferecido ao mundo? Palavras que acolhem ou que ferem? Atitudes que aproximam ou afastam?
Cada ser humano é o que carrega. E carregar-se é, também, um ato de responsabilidade. A vida nos dá ferramentas: experiências, encontros, perdas, recomeços. Talvez a grande virada esteja justamente aí, em nutrir dentro de nós o que gostaríamos de espalhar. Cada um de nós escolhe quais sentimentos alimentar, quais mágoas deixar definhar, quais sementes plantar para amanhã. Há que se assumir um compromisso de não perpetuar a dor que recebemos. Como disse, cada um dá aquilo que tem. Mas, principalmente, cada um é responsável por aquilo que escolhe cultivar.
Eu prefiro viver assim – sei que sou mais feliz desta forma… semeando o que há de melhor e podando as ervas daninhas que possam surgir em mim.
Afinal, somos simultaneamente jardineiros e jardins. E a você, caro leitor, desejo que cultive em si muitas coisas boas para espalhar também.

Drielli Paola – @drielli_paola. Servidora Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo. Bacharel em Direito, com pós-graduação e extensões universitárias na área jurídica. Entusiasta de psicologia, história, espiritualidade e causa animal. Apaixonada pela escrita.