Por definição, uma “crença” é uma proposição aceita como verdadeira, mas com base em evidências inconclusivas. Deveria ser claro que o que acreditamos baseados no nosso sentimento e emoção não é, necessariamente, o que deveríamos acreditar com fundamento nas evidências. É por isso que se recomenda um ceticismo cauteloso. Não resistimos às “crenças” apenas porque podem não ser verdadeiras, mas para vê-las enfrentar a evidência factual. Todo conhecimento começa com a hipótese de que a proposição é falsa até que se encontre uma demonstração convincente.
A teoria da “dissonância cognitiva”, de Festinger, sugere que, quando uma “crença” submetida a uma experiência crítica é desmentida, os seus seguidores se dividem. Uns a abandonam. Outros reinterpretam as evidências para continuar a cultivar a sua “crença”.
Por exemplo, o “socialismo” anunciado por Lênin, em 1917, que deveria levar a sociedade com plena liberdade individual, com a mais completa igualdade e com o aumento da eficiência produtiva, revelou-se o oposto de tudo isso, conforme denunciado por Khrushchev em 25/2/1956. Um bom número de pessoas abandonou a sua “crença” no socialismo “real”, mas uma minoria continua reinterpretando as evidências para poder cultivar a sua “crença” no socialismo “ideal”, como vemos todos os dias na generosa esquerda infantil que vive entre nós.
Há momentos cruciais em que as consequências das decisões da sociedade são de tal magnitude que é preciso consultá-la diretamente, por um plebiscito, por exemplo, que revelará a “crença” majoritária. A posição de cada um depende da qualidade da sua informação e do que espera no futuro, que é sempre “aberto” e rigorosamente opaco. Não há garantia de que a decisão majoritária de hoje seja a melhor quando o futuro for presente.
Na semana passada o Reino Unido decidiu sua saída (o Brexit) da União Europeia, que acumula graves problemas de administração política e singular déficit democrático. Pelo resultado, houve uma trágica divisão da sociedade inglesa revelada anteriormente por pesquisas específicas. Entre os mais informados que veem mais longe (cientistas, sociólogos, economistas, etc.) a permanência teve mais do que 2/3 dos votos. Na população em geral, na qual a miopia curto-prazista é amplamente majoritária, houve indecisão até a hora do voto.
Tenho comigo que o Brexit, no longo prazo, tem toda a probabilidade de ser uma má solução para o próprio Reino Unido e toda a probabilidade de disparar novos separatismos nele e em outros países que serão prejudiciais à construção de uma ordem mundial pacífica.
O “juízo final” será, entretanto, dado pela história. Como sabemos, ele, em geral, só chega quando é tarde demais para o arrependimento…
Fonte: UOL