Bom Brasil novo para as leitoras e os leitores

Quem não se lembra do seu Lunga, hein? Pois iniciemos com as tacadas do sábio cearense.
Tá com defeito?
Seu Lunga leva o aparelho eletrônico para a manutenção. O técnico pergunta:
– Tá com defeito?
– Não, é que ele estava cansado de ficar em casa e eu o trouxe para passear.
Na próxima
Cai um toró em Juazeiro do Norte. Seu Lunga não se incomoda e se prepara para sair de casa. A mulher pergunta:
– Vai sair nessa chuva?
– Não, vou sair na próxima.
Panorama
Abro a primeira coluna do ano com otimismo. Fé. Que não costuma “faiá”, como canta Gil. Depois de tanta tormenta, precisamos nos encontrar com a bonança. Os próximos tempos serão bons para aqueles que conseguem juntar forças para subir a montanha. “Somente aqueles que se arriscam a ir longe, sabem até onde podem chegar”, já alertava T.S. Eliot. Viveremos momentos tensos e intensos. O ano promete emoções. É um ano eleitoral. É claro que ainda veremos baixarias, mentiras e disse-que-disse. O país clama por temperança e bom senso.
Polarização
Conviveremos, infelizmente, com esse modelo de fazer política na arena do tiroteio. Aliás, a polarização tende a ser mais forte, aqui e alhures. Trata-se de um fenômeno-gangorra, que sobe e desce, ao correr dos sopapos de alas engajadas com seus candidatos. Aqui, um deles correrá o páreo pela extrema direita do campo, outro pela esquerda, indo até as margens centrais, enquanto um grupo maior tentará puxar o anzol para ver se alcançam os peixes no centro do lago. Hoje, poucos acreditam que algum candidato do centro viabilize a chamada terceira via. Ainda ponho fé. Lembro: este Senhor chamado de O Imponderável costuma nos visitar.
O desgaste
O copo está transbordando. O excesso de baixeza e vitupério começa a saturar a paciência de tantos quantos divisam dias melhores para o país. Pela lógica, o azedume que nutre os grupos adversários moveria o eleitorado na direção de perfis identificados com o discurso adequado. Mas a política, a velha política, feita na base de chumbo grosso, continua a dar suas cartas no jogo. Se até abril/maio não houver sinalização do bom senso, poderemos dar o jogo quase vencido por um dos dois protagonistas principais. Mas…volto a citar aquele Senhor. O Imponderável, que olha o Brasil com muita sede.
Quem?
Lula, hoje, é o preferido. Ganharia bem. Repito: hoje. Há, porém, uma escaramuça entre os núcleos petistas sobre o discurso a ser desenvolvido por Luis Inácio. Um discurso de esquerda, identificado pela cor vermelha do petismo, ou um discurso mais centrado na união de todos, na luta por um programa compartilhado que funcione como polo agregador. Uma ala, que tem perfis históricos do petismo, como José Genoíno, quer Lula na defesa da bandeira socialista, outra, defende o nome de Geraldo Alckmin como vice na chapa do líder petista. Que Lula o Brasil quer? Que outro poderia ameaçar suas chances?
Foco no conteúdo
Seja qual for o discurso, acertarão os protagonistas que elegerem como foco o conteúdo: o que dizer, qual a proposta para o país nos mais diversos campos, e exprimir esse ideário com clareza, objetividade, concisão. Promessas mirabolantes deverão passar ao largo dos ouvidos. Não descerão ao sistema cognitivo dos eleitores, a não ser a cognição da corte de bajuladores e fiéis simpatizantes. Os radicais. Essa tendência de caprichar no ideário ganha espaço no planeta. Não se trata de uma situação restrita ao nosso cotidiano. A conferir.
O populismo
A linha populista é, para alguns pré-candidatos, a cereja do bolo. Acham que dourando a pílula, com dribles discursivos, conseguirão atrair as massas. Pois bem, até o programa Auxílio Brasil, o anzol com que Jair Bolsonaro tentará pescar o eleitorado nordestino, poderá não puxar eleitores como nos tempos de ontem. Tudo está em mudança. Quem recebe auxílio até se acostumou e muitos retribuirão o doce recebido com o voto. Mas o eleitor, inclusive o da base da pirâmide social, está mais atento. E, como já frisei antes, cansado de tanta maquiagem.
A campanha
A campanha não será um reflexo do que vimos em 2018. Nenhum ser humano consegue atravessar o rio no mesmo lugar, achando que repete os passos e a direção. As águas são outras. E as circunstâncias, idem. O Brasil é um arquipélago de crises. A seca que rebaixa o nível dos reservatórios inunda e deixa centenas de famílias ao desabrigo. As perdas são incontáveis. A crise econômica puxa o crescimento para baixo, nas margens do zero. A campanha abarcará todas essas crises. Afora, a insatisfação de categorias do serviço público Federal, que ameaçam com uma corrente de greves e operações-padrão, rolo compressor sobre o Executivo.
Emoção
Os atores do palco político tentarão puxar o discurso eleitoral para o lado do coração. Teremos uma campanha mais emotiva do que racional. Sinal dos tempos. Mas podemos acreditar que se a racionalidade anda a passos de tartaruga e a emoção corre como lebre, o fato é que o meio da base está aumentando. Devagar, sim, mas se movimenta. E isso importa.
A facada
Portanto, a lembrança da facada continuará a azeitar o menu discursivo de Bolsonaro, enquanto seu adversário procurará puxar o discurso do pão sobre a mesa, que, em seu governo, alargou os horizontes da base da pirâmide. Mas será retrucado com a moldura suja, que abriga o mensalão e o petrolão. A conferir.
A flurona
Influenza e Ômicron (gripe e covid), juntas, ganham o nome de flurona. Segundo os especialistas, será a onda que se alastrará pelo território. Mas a mortalidade tem diminuído. A vacinação se expande. O negacionismo é chutado para escanteio. O Executivo perde mais uma frente de batalha, a vacinação de crianças, que tem o endosso da sociedade.
A arte da política
Atenção, candidatos. A política é a arte do possível. E nunca um político deve marchar com uma única alternativa. Vale, aqui, a lição de Napoleão: “faire son thème em deux façons” (“fazer as coisas de dois modos”). Ou, ainda, o conselho do general Sherman, usando a fraseologia texana para o mesmo conceito: “pôr o inimigo nos cornos de um dilema”. (P.S. William Tecumseh Sherman foi general no Exército da União durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos.). Significa que a estratégia militar pode dispersar as forças do adversário e lhe quebrar o moral, produzir incapacidade de ação e falta de motivação; antecipar e prever o modo de conseguir o resultado favorável no confronto; e impedir movimentos subsequentes do adversário.
A flexibilidade
Na política, a decisão leva em conta os partidos e suas forças, a natureza dos cargos, a possibilidade de alianças, o clima do meio ambiente, as circunstâncias de uma campanha eleitoral etc. Um candidato a presidente da República, por exemplo, há de trabalhar com diversas alternativas, e não apenas com a posição isolada de colar à candidatura exclusivamente em seu partido, exprimir um único discurso e escolher uma única estratégia de campanha. Flexibilidade, essa é a chave.
O micropoder
“Em geopolítica, pequenos atores – países menores ou entidades não estatais – ganharam novas oportunidades de vetar, interferir, redirecionar e causar entraves graves aos esforços conjuntos de grandes potências.”
“Esses novos atores representam a ascensão de um novo tipo de poder – vamos chamá-lo de micropoder – que antes tinha pouca chance de sucesso”. (Ideias do sociólogo francês Roger-Gérard Scwartzenberg).
Naim
Moisés Naim, que escreveu O Fim do Poder, faz esta observação: “O debilitamento das barreiras que defendem os poderosos está abrindo as portas a novos atores, os micropoderes, cujo poder não é mais o poder massivo, esmagador e com frequência coercitivo das organizações, mas sim o poder de vetar, contrapor, combater e limitar a margem de manobra dos grandes atores.”
Saúde para todos em 2022.
Coluna reproduzida do site https://www.migalhas.com.br/coluna/porandubas-politicas/357437/porandubas-n-742

 

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação. Twiter@gaudtorquato