A cada um, a sua caixinha

Uma democracia moderna saudável requer: 1) eleições periódicas livres e com sufrágio universal; 2) existência de uma oposição bem definida; 3) proteção dos direitos das minorias; 4) liberdade de associação e de expressão. Nesse universo político se realiza a “justiça” pela política, que é expressa na Constituição. No regime presidencialista, ele se organiza em torno de três Poderes: o Legislativo, que produz as normas, o Executivo, que as executa, e o Judiciário, que obriga todos a cumpri-las.

O princípio da separação – e a contenção – dos Poderes, o cuidado com o avanço de uns sobre os outros na presença de poderes sobrepostos, além dos incentivos para que na prática tudo funcione, sempre foram objeto de preocupação. Afinal, como pontuou James Madison, se os homens fossem anjos, não precisariam de governos. A garantia, segundo ele, seria conferir a cada um dos Poderes os instrumentos constitucionais necessários e as motivações pessoais para resistir aos abusos dos outros.

O avanço da “judicialização da política”, a “politização da Justiça” e, é bem verdade, a mera judicialização como instrumento de resolução de conflitos de toda a natureza são desafios cada vez mais claros à observância desse sistema no século 21. Os incentivos comportamentais criados pelas mídias digitais e o volume crescente de informações em tempo real testarão cada vez mais a sua robustez.

A Constituição de 88 estabelece que os Poderes devem ser independentes, mas harmônicos entre si. Eles têm controles internos e externos que respeitam a sua independência e exigem que respeitem a harmonia com os outros Poderes, ou seja, há limites para todos.

Há muito pairam sérias dúvidas de que esse arranjo tem funcionado bem no Brasil. Nas últimas semanas, entretanto, fica a impressão de que a violação a esses preceitos já não configura o maior dos problemas na relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Além de se comportarem publicamente como comentaristas oficiais da realidade brasileira, como se não tivessem nenhuma responsabilidade sobre ela, esquivam-se de suas atribuições constitucionais e partem para um verdadeiro “vale-tudo”, enquanto brasileiros padecem das consequências econômicas e sanitárias da pandemia. Partem para a agressão, a adjetivação inapropriada e a violência verbal contra seus integrantes em praça pública, degradando ainda mais o ambiente nacional.

É hora, pois, de cada Poder voltar para a sua respectiva “caixinha” e coibir invasões ou abusos de poder. Mas, antes de tudo, é preciso respeito com o Brasil e com a institucionalidade dos cargos que ocupam.

 

Antônio Delfim Netto: Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”