1904/2020

Um dos mais icônicos apresentadores da tevê no Brasil, Abelardo “Chacrinha” Barbosa, dizia sempre que no mundo “nada se cria, tudo se copia”. Claro que o ‘velho guerreiro’ fez uma adaptação do original “na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”, de Antoine-Laurent Lavoisier, nobre e químico francês.

Pois bem, voltando ao parafraseado de Chacrinha, há 116 anos, mais precisamente em 1904, os hospitais no Rio de Janeiro não tinham mais leitos para atender pacientes vitimados pela varíola e isso se deveu aos ideólogos, que incentivavam as camadas populares a resistir à vacina. Diziam até que quem fosse imunizado poderia ficar com ‘cara de jacaré’. O resultado foi uma mortandade sem precedentes.

Passadas duas décadas e meia da pandemia da varíola, estamos as voltas com hospitais lotados (agora não só no Rio de Janeiro, mas em toda a Nação) e problemas com vacinas, cujas quantidades estão aquém da necessidade da população.

A diferença entre 1904 e 2021, é que no século passado as fake news vicejavam de boca em boca, com informações errôneas sobre os efeitos da vacina. Foi preciso que o cientista e sanitarista Oswaldo Cruz enfrentasse o problema e exigir do governo que ninguém conseguiria contratos de trabalho, matrículas em escolas, viagens e casamentos, sem comprovar que havia sido vacinado.

Hoje não só as fake news brotam de todos os meios e formas, mas também a irresponsabilidade das pessoas, que mesmo com alertas que já duram um ano, frequentam bares, organizam festas e excursões e, inacreditavelmente, no último final de semana, 200 idosos participavam de uma espécie de ‘baile da saudade’, que a fiscalização pôs fim.

Não há termo de comparação entre a ignorância popular em 1904 e agora. Beira a canalhice o descumprimento de medidas sanitárias para evitar a propagação da doença.

Se até março do ano passado essa rebeldia da vacina no século passado era algo impensável nos dias de hoje, ela deu lugar à irresponsabilidade em plena era global. Ainda há muita gente, muita mesmo, que se sente acima do bem e do mal e, portanto, não acredita será vitimada pelo coronavírus, despreza o avanço da medicina e não dá crédito à vacina e, como há 110 anos, acha que ela transforma as pessoas em animais ou, no mínimo, não cura absolutamente nada.

Os números crescentes das vítimas fatais, mais de 250 mil, deveriam ser suficientes para convencer a patuleia que a vacina é a única saída.