Depois de tantos anos sem vidas perdidas na aviação comercial, a tragédia de agosto acabou fazendo com que histórias antigas de outros desastres pudessem ser retomadas. Gosto de lembrar aos meus amigos o quanto a aviação é segura e hoje quero rememorar aqui que nenhuma vida perdida é considerada de modo banal. Na aviação, onde tudo é redundante, para garantir o máximo de proteção, cada um dos acidentes serviu e serve para grandes aprendizagens.
Desta forma, centenas de outras almas são poupadas. Nem tudo são tragédias quando estudamos sobre os acidentes. Há histórias fantásticas de sobrevivência, mesmo quando se trata de fatos envolvendo grandes aeronaves. A mais fantástica para mim é do Varig 820.
Um Boeing 707 da Varig, no dia 11 de julho de 1973, realizava um voo entre o Rio de Janeiro e Paris quando um incêndio começou a bordo, causado por um cigarro jogado em uma lixeira no banheiro. Ao tentar um pouso de emergência no Aeroporto de Orly, em Paris, a tripulação perdeu o controle e a aeronave caiu a poucos metros da pista. Havia 134 pessoas a bordo, sendo 17 tripulantes. A asfixia devido a inalação de fumaça matou quase todos, mesmo antes da aterrissagem forçada. Foram 123 mortos e dos 11 sobreviventes, apenas um passageiro: Ricardo Trajano, que na época estava com 21 anos.
A história de Ricardo Trajano é de arrepiar e cada vez que eu escuto aprendo algo diferente sobre a vida, sobre a fé e principalmente sobre não se lamentar por nada que se descortina a sua frente, por pior que seja, mas sim fazer o melhor e continuar.
Ele foi dado como morto, pois fora confundido com outra pessoa e como ficou por tempos em coma, coberto de fuligem e com muitas queimaduras, a confusão se estendeu por muitas horas. Na universidade onde cursava engenharia, no Rio de Janeiro, homenagens e bandeiras a meio mastro. Em casa, visitas e condolências. No entanto, apenas uma pessoa falava com convicção sobre a certeza de que Ricardo Trajano estava vivo. Se recusava a admitir a perda, apesar da tragédia, da confirmação de centenas de mortos e do avião da pioneira ter pousado em chamas e se despedaçado em uma plantação de cebolas.
Somente a mãe de Ricardo dizia sentir que o filho estava vivo. Após trinta horas em coma, no hospital, Ricardo pediu papel e caneta e conseguiu anotar seu nome e telefone, deixando estarrecidos todos ali, que pensavam se tratar de um membro da tripulação, já que quando foi encontrado, diferente de todos os outros, não estava sentado em sua poltrona de passageiro e sim na parte da frente próximo a cabine e da comissaria.
Obviamente passou a ser proibido fumar em aviões, e todo o material que compõe a estrutura das aeronaves foram revistos pela engenharia, de forma que aquela fumaça tóxica não fosse mais produzida em caso de incêndio. O acidente foi um divisor de águas para a indústria da aviação e apesar do evento traumático, Ricardo Trajano transformou essa experiência de vida em uma forma de lidar com adversidades.
Anos após o acidente, ele compartilhou suas experiências e reflexões sobre a importância da segurança aérea e da força psicológica em situações de risco. Sua história é um exemplo de superação e resiliência, destacando como é possível plantar boas sementes de esperança no coração das pessoas, mesmo após algo tão marcante e doloroso.
Luís Alberto de Moraes – @luis.alb – Autor do livro “Costurando o Tempo – dos Caminhos que Passei”