Vaidade por prazer

Dos pecados, o prazer capital é mesmo o cerne de uma fraqueza que esconde um vício. Santo Agostinho já dizia isso. Qual a novidade então nesses dias em que se fala de empatia e que nada deveria se sobrepor a nobreza de entender a dor do outro, doendo junto como se fosse a sua? Acontece que o orgulho é coisa bem humana. Tendência forte a ser educada. Herança de Lúcifer, que não soube lidar com sua beleza. Ao se achar bonito, pensou-se melhor. O portador da luz carregado de vaidade, pesou tanto que despencou do céu e por vezes parece ter ido morar em tantas almas humanas até hoje.

Subirei sobre as alturas das nuvens e serei semelhante ao Altíssimo. (Isaías 14:14)

Mikhael! Quem como Deus? Vale a reflexão desta primeira iniciativa de se enxergar superior, pois que hoje, com a fragilidade das doenças que levam os nossos feito folhas que caem das árvores amareladas e secas no final de tarde, com a brisa quente anunciando as chuvas. Do mesmo modo, as vidas humanas tem se esvaído surpreendentes e a ironia que encerrou essa década trouxe consigo as máscaras que agora estão institucionalizadas entre nossas fileiras espaçadas com o distanciamento social e onde as feições ocultas abrem espaço para aguçar a leitura dos olhares que passaram a sozinhos omitir ou revelar as verdadeiras intenções recheadas da tal da vaidade.

Minha religiosidade cristã me aproxima de enxergar as virtudes sim como um talento dado por Deus para que no mundo fosse o sal da terra, quando colocado a serviço de outrem. Mas é claro, no fim, até minhas virtudes trazem consigo o meu sentimento vaidoso de olhar para o outro falando a mim mesmo o quanto é bom possui-las em detrimento dos que não as conhecem.

A vaidade que fracionou a milícia celeste, ainda hoje fragmenta as relações nos escritórios, os afetos nas famílias e a fraternidade nos bares entre amigos. O punhal dolorido que rompe os laços continua sendo gestado nos corações humanos, apesar da fragilidade das nossas carnes estar exposta em dados assustadores que evidenciam a matemática crescente que não olha sexo, quase não tem feito distinção da idade e para tantos, reserva um fim silencioso e solitário.

O direito da imagem de velar os corpos nas urnas como forma de organizar o luto, até este ficou subtraído. Mesmo assim, para quem fica, a vaidade permanece. Mais que pecado, um prazer oriundo do vício de apontar o Eu acima do Nós. Se diz no teatro: “personas somos”, mas infinitamente quero escolher meu plantio pelas sementes férteis de versos como os do Padre Antônio Maria: “Precisamos um do outro, amor que por amor atrai”.

 

Luís Alberto de Moraes tem formação em Letras, leciona há quase vinte anos e prepara o lançamento de um livro de crônicas e poemas. @luis.alb