O mar e o sertão dentro de nós

O mar, com sua vastidão, lembra o movimento constante da vida: ondas que vêm e vão, trazendo novidades e levando o que já não serve mais. O sertão, com sua aridez, nos ensina a resistir quando tudo parece faltar, a florescer mesmo quando a terra é seca. Somos feitos dessa dualidade. Em alguns dias, transbordamos como água farta; em outros, suportamos a estiagem da alma. O mar nos convida a soltar, a permitir, a confiar no fluxo. O sertão nos chama à raiz, à firmeza, ao saber esperar o tempo da chuva.
No silêncio das nossas interioridades, o mar é emoção profunda, às vezes revolta, às vezes calmaria. O sertão é chão firme, testando nossa paciência, exigindo coragem para continuar. Um não existe sem o outro. Vulnerabilidade e força, entrega e resistência.
Talvez por isso seja tão difícil definir quem somos. Há dias em que nos reconhecemos líquidos, moldados pela corrente, adaptáveis, livres.
Em outros, sentimos a secura da terra rachada, a necessidade de guardar força para atravessar o caminho. Entre a abundância e a escassez, encontramos o equilíbrio possível para viver.
O mar dentro de nós é também memória. Quem nunca parou diante do horizonte, deixando-se hipnotizar pelo infinito? O balanço das ondas desperta lembranças, segredos, saudades. Ele nos conecta ao mistério da origem – afinal, foi da água que a vida começou.
O sertão, por sua vez, guarda histórias de resistência. Cada árvore retorcida, cada pedra, cada canto ecoado ao vento é testemunho de quem aprendeu a sobreviver na adversidade. Dentro de nós, o mar guarda sonhos e o sertão guarda a coragem de sustentá-los.
É curioso como a vida nos pede ambos: aprender a confiar e aprender a resistir. A fé do mar é a fé que acolhe, que purifica, que renova. Quem entra no mar sente-se parte de algo maior, como se fosse devolvido ao ventre do mundo. Já a fé do sertão é a fé que insiste, que permanece mesmo sem sinais visíveis, que canta quando tudo em volta parece emudecer. A fé que não espera condições ideais, mas floresce mesmo no improvável.
O mar ensina a confiar no tempo das ondas, o sertão a confiar no tempo da colheita. Quando o mar nos falta, o sertão nos sustenta. Quando o sertão nos cansa, o mar nos refresca.
Se olharmos com atenção, perceberemos como essa dualidade se manifesta nos pequenos gestos. Há dias em que oferecemos um abraço largo como mar aberto. Em outros, um silêncio firme como pedra de sertão. Há momentos em que somos generosos, deixando fluir palavras, afetos, ideias; em outros, precisamos recolher, guardar, economizar energia para não secar por dentro.
E talvez seja nesse vai e vem que nos descobrimos humanos. Somos rios que querem encontrar o mar, mas que precisam atravessar sertões inteiros para chegar até lá. Somos pescadores de dentro, lançando redes em busca de algo que, muitas vezes, nem sabemos nomear. E somos também retirantes de nós mesmos, caminhando com coragem por desertos internos até encontrar, quem sabe, uma nova nascente.
E eu, como todos já sabem, prefiro viver assim, sei que sou mais feliz desta forma… reconhecendo que por vezes sou sertão, quando atravesso desertos que se colocam no meu caminhar, e noutras sou mar, quando navego na abundância do meu próprio ser. E a você, caro leitor, desejo que encontre dentro de si tanto a coragem de resistir quanto a liberdade de deixar fluir.

Drielli Paola – @drielli_paola. Servidora Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo. Bacharel em Direito, com pós-graduação e extensões universitárias na área jurídica. Entusiasta de psicologia, história, espiritualidade e causa animal. Apaixonada pela escrita.