Há séculos, a humanidade se olha no espelho de suas próprias invenções e teme o reflexo. A cada avanço, nasce uma pergunta que atravessa gerações: até onde vai o poder daquilo que criamos?
No passado, foram os mitos que deram forma a esse receio. Prometeu roubando o fogo dos deuses, Frankenstein juntando retalhos de vida, autômatos encantando e assustando cortes europeias. Sempre que o ser humano ousou inventar algo maior do que ele mesmo, o medo veio junto, quase como uma sombra inevitável. Criar sempre foi também um ato de risco e, por isso, carregado de desconfiança.
Hoje, essa sombra tem nome: inteligência artificial.
Ela não anda, não respira, não deseja. Mas fala. Escreve. Cria. Responde. O que basta para muitos acreditarem que ela está “viva” e, talvez, disposta a nos substituir. A ficção ajudou a cimentar essa ideia. Quem nunca assistiu a máquinas tomando o poder em filmes de ação e distopias futuras? O imaginário coletivo foi treinado, geração após geração, a associar a tecnologia ao risco de rebelião.
Mas a realidade é mais sóbria. Nenhum algoritmo sonha em dominar o mundo. Não há intenções secretas escondidas nas linhas de código, mas apenas cálculos matemáticos e padrões que se repetem. Se há perigo, ele não nasce na máquina: nasce em quem a programa, em quem define seus limites, em quem decide o rumo de seu uso. A inteligência artificial é espelho, não divindade. É ferramenta, não criatura mística.
Ainda assim, o medo não deixa de ter valor. Ele funciona como alerta. É ele quem lembra governos da necessidade de criar leis, cientistas de refletirem sobre os impactos e cidadãos de exigirem ética. O medo, nesse caso, não é paralisante, mas preventivo. É ele quem nos recorda de que inventar exige responsabilidade e que nenhum avanço pode caminhar sozinho, sem reflexão.
No fundo, o que dá sentido à tecnologia é o humano por trás dela. Nenhum código existe sem intenção e nenhum algoritmo opera sem propósito. A criação reflete seu criador. Por isso, a questão nunca foi o quanto as máquinas podem pensar, mas o quanto nós, humanos, continuamos dispostos a sentir.
Estamos tão acostumados a pedir que a tecnologia resolva tudo, que corremos o risco de perder o valor do silêncio, da pausa, do improviso. A IA pode prever padrões, mas não o acaso; pode reconhecer emoções, mas não as experimentar. Ela pode descrever o nascer do sol, mas jamais entender o que é se emocionar ao vê-lo. A diferença está nesse intervalo invisível entre o cálculo e o arrepio, espaço onde mora a alma. Porque máquinas calculam, mas não amam. Processam, mas não sonham. Imitam, mas não sentem.
Se existe algo que ainda nos diferencia de qualquer algoritmo, é justamente a capacidade de rir, de chorar, de temer e de confiar. A inteligência artificial pode até compor músicas, mas não sabe o que é cantar para alguém que se ama. A cada passo que damos na tecnologia, é bom lembrar: são as emoções e não os dados que definem a essência do humano.
Porque o futuro, apesar dos cálculos e dos algoritmos, continua sendo escrito pelas nossas próprias mãos.
E eu, como você já sabe, prefiro viver assim, sei que sou mais feliz desta foram… seguindo com a certeza que, mesmo em meio às máquinas, é o coração – e não o código – que mantém o futuro humano. A você, caro leitor, desejo que nunca deixe de se maravilhar, de se emocionar e de se permitir ser inteiro, porque é nisso que mora a verdadeira humanidade.
Drielli Paola – @drielli_paola. Servidora Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo. Bacharel em Direito, com pós-graduação e extensões universitárias na área jurídica. Entusiasta de psicologia, história, espiritualidade e causa animal. Apaixonada pela escrita.