A Fundação Perseu Abramo, fonte intelectual do Partido dos Trabalhadores e hoje sob a presidência do competente economista Marcio Pochmann, de quem se pode discordar, mas não ignorar, realizou uma pesquisa qualitativa importante “para compreender a formação da visão do mundo nas periferias de São Paulo”.
Ouviu um pequeno número de ex-eleitores do PT (63) que nelas moram. O resultado levanta dúvidas se a “luta de classes” é mesmo entre a “burguesia” (“eles”) e o “proletariado (“nós”), que só terminará com a extinção definitiva “deles”…
Os ex-petistas substituíram a “burguesia” pelo que hoje veem como seu verdadeiro opressor: a alta burocracia estatal que se apropriou do Estado graças ao laxismo e oportunismo dos governos que se sucederam desde a Constituição de 1988. “Eles” conseguiram blindar-se de todos os inconvenientes que “nós”, os trabalhadores privados, sofremos.
Enquanto “nós” na crise de 2016 ficamos desempregados e vimos o nosso salário real cair 1,3%, “eles”, sem serem atingidos pela conjuntura, viram os seus aumentar 1,5%. “Nós”, os pacientes do INSS, temos uma taxa de recuperação dos salários na aposentadoria de 60% a 70%; “eles” insistem em manter 100%!
A grande surpresa foi constatar que, à custa de tanto sofrimento, o trabalhador do setor privado começa a desenvolver uma consciência de classe: o inimigo de hoje não é a tal “burguesia” que, tanto quanto ele (estão no mesmo barco), sustenta um gigantesco estamento estatal tão ineficiente quanto “rentista”. Com seus direitos “mal” adquiridos, “eles” se apropriam do excedente produtivo que “nós” produzimos e que deveria ser destinado a investimentos em educação, saúde e infraestrutura, sem os quais não há (nem haverá) desenvolvimento inclusivo.
Afinal, parece que há mesmo uma luta de classes entre “nós”, o setor privado, e “eles”, a poderosa e organizada burocracia estatal!
A República, para realizar-se, precisa de um Estado forte, constitucionalmente constrangido, que garanta que todos são iguais perante a lei; que seja capaz de regular os “mercados”, principalmente o financeiro; que crie instituições que produzam maior igualdade de oportunidades e supram a solidariedade aos menos favorecidos etc. Um Estado forte, enxuto e eficiente que cumpra o papel que só ele pode fazer: um harmonioso aumento e melhor distribuição do produzido por “nós”.
Deixando de lado essa interpretação caricatural, ninguém deveria deixar de ler o documento. Ele lança luz sobre os verdadeiros valores individuais: “trabalho, família, religião que os tornam alguém”.
Fonte: uol