Lição não aprendida

Governos adoram fingir que tempestades não vêm aí. Quando o assunto é água em São Paulo, a negação virou hábito pernicioso. Um recurso finito, tão essencial quanto respirar, tratado como se brotasse eternamente das pedras.
A crise hídrica de 2014 deveria ter sido o alarme estrondoso. Em vez disso, virou aviso esquecido na gaveta. As represas murcham, os sistemas de abastecimento se desequilibram, e o consumidor encara o cúmulo: tarifa alta por um produto que talvez não chegue ao chuveiro.
As estiagens longas não são novidades para geógrafos ou para quem olha o céu com atenção. A despreocupação pública, sim, continua abismal. Chuva abaixo da média, demanda crescente, desperdício tolerado como se fosse vício inofensivo.
Sabesp e outras concessionárias lidam com desafios técnicos reais, ninguém discorda. O que falta, desde sempre, é estratégia. Falta reuso em escala. Falta educação para consumo responsável. Falta planejamento que não dependa de promessas de São Pedro.
A Região Metropolitana mais rica do País volta ao mesmo filme: racionamento, manobras de emergência, contas que não fecham no papel nem no reservatório. A lição do passado passou longe das canetas oficiais.
O fato de o nível dos reservatórios estar bem abaixo da média histórica (por exemplo -50% da vazão usual ou -20 a 30 pontos percentuais abaixo do que tinha antes da última grande crise) mostra que o risco de crise não é abstrato – está aí.
A projeção de armazenamento “normal” só em cenários otimistas reforça que, mesmo se tudo der certo, a margem de segurança é estreita. O anúncio de possíveis rodízios ou restrições de até 16h indica que os agentes públicos reconhecem: esta não é mais apenas uma hipótese distante.
A queda rápida no nível em um mês (várias dezenas ou centenas de milhões de metros cúbicos) mostra que, uma vez que o sistema se desequilibra, o efeito pode ser acelerado.
Enquanto se espera pelas chuvas prometidas para novembro, o paulistano cruza os dedos para que o chuveiro ainda murmure alguma esperança. A cultura nacional de cuidar do doente só depois do adoecimento chega à água. Segurança hídrica virou paciente crônico.