Invisíveis

O tema da atividade era descrição. Eu tinha que descrever alguém que eu sempre vejo por aí, mas não conheço. Uma pessoa com a qual nunca tenha falado, não saiba o nome, de onde vem e nem o que come. Descrever essa pessoa sem imaginar uma história sobre a vida dela, sem falar que “deve ser um pai de família”, “deve ser uma mulher muito religiosa”, “deve gostar de samba e pagode”. Apenas descrever, mas não só fisicamente. Descrever as impressões que a pessoa causava em mim, como ela parecia aos meus olhos. Sim, complicado. De vez em quando a faculdade apresenta essas atividades que você não sabe por onde começar.

Comecei (já que tinha que começar) tentando escolher a pessoa de quem eu ia falar. Pensei em falar da atendente da loja de sucos que eu visito quase todo dia, mas seria mentira dizer que não a conheço. Não, não sei seu nome, nem qual sua história. Mas, entre pedidos diários, a pessoa deixa de ser uma total desconhecida. Pensei em pessoas que eu já vi passando na rua, no caminho para a faculdade ou pelo metrô e escolhi um cobrador de ônibus que eu lembro ter achado muito simpático nos dois dias em que, coincidentemente, embarquei no ônibus no qual ele trabalha.

O descrevi, me esforçando ao máximo para lembrar o que estava vestindo ou como eram seus olhos. Algumas amigas minhas, que também estavam fazendo a atividade, não fugiram muito do padrão e falaram de pessoas que elas já viram em transporte público ou trabalhando em grandes avenidas.

Foi então que reparei o motivo de tamanha dificuldade na realização de tal exercício. Ela, a dificuldade, não está em ter que falar sobre alguém desconhecido. Até porque, quando se passa pelos mesmos lugares todo dia, não é difícil encontrar as mesmas pessoas. A dificuldade está em prestar atenção nessas pessoas não conhecemos e por isso nos sentimos desobrigados a conhecê-las.

Eu mesmo, tão distraído pela minha leitura no ônibus ou pelo hábito de ouvir música, acabo não prestando atenção nas pessoas que fazem parte da minha rotina diária. E, tenho certeza que elas não prestam atenção em mim também: naquilo que estou vestindo, como caminho, as expressões que faço quando ouço uma música que gosto muito toca nos fones de ouvido.

É como se fossemos invisíveis. Todos. Invisíveis!