A gente nunca se acostuma com situações extremas logo de cara. Eu, pelo menos, assumo que finjo por um tempo (que pode ser longo) que nada mudou e tudo vai voltar ao normal até que algo me force a perceber que tudo mudou e nada vai voltar ao normal – pelo menos tão cedo.
Então crio cenários, realidades alternativas, outras saídas: é só um imprevisto que logo vai passar.
Às vezes passa. E talvez seja por isso que a opção óbvia sempre seja esperar que passe. Porque às vezes passa. O problema é quando não acontece e, mais cedo ou mais tarde, temos que entender que fingir não é mais uma escolha.
O início da quarentena, para mim, foi assim. Enxerguei saídas que me permitiam lidar com isso na lógica do fingimento: vamos fingir que não é um problema; depois, vamos fingir que é um problema que logo não existirá mais. Deve ser por isso que, ao contrário de muitos dos meus amigos, resolvi não contar quantos dias estou em casa. Vira e mexe, um ou outro passa o cálculo: “Eu já estou há 65 dias”, “Eu há 56” etc.
A minha conta não passou do terceiro dia, depois larguei de mão. Esperando que fosse tão rápido que eu nem mesmo iria perceber. A questão é que não me lembro de, na vida, ter enfrentado uma situação que durasse tanto, mas tanto, que até o fingimento se esgotasse. Não dá mais para não ver. Não dá mais para esperar.
Mas o que fazer quando não dá para simplesmente voltar ao normal?
O mundo já não é mais normal. Já foi alguma vez? Enfim, a opção agora é mudar com ele: se adaptar às mudanças que esse momento exige de nós e impor nós mesmos as nossas próprias mudanças; porque todos precisamos de um pouquinho de individualidade entre todo o turbilhão. Sempre achei que projetar coisas para o futuro era praticamente uma terapia. E projetar coisas para agora também pode ser.
O mundo nos obriga a ter responsabilidade com o outro, mas não só isso. Também com nós mesmos.