Hoje ainda

Talvez não seja tarde para recomeçar as linhas, reencontrar as palavras, cavocar enchendo de terra as unhas desse barro vermelho que sepultou as tristezas perdidas soterradas e profundas. Repensar parágrafos, mexer em frases amaras engavetadas com os anos. Cedo ou tarde é bobagem quando a gente aprende que tempo que importa não cabe nas horas, feito kairós. O que não envelhece, acontece sem medida diante dos olhos e a intensidade não se dimensiona.

Cronicando com liberdade eu sigo deslizando os dedos que o tempo fez serem rápidos para acentuar, lentos para pensar, demorados a ter coragem de percorrer os caminhos da prosa, da poesia, da literatura simples de quem está redescobrindo o prazer de se debruçar para ver nascer uma obra.

Nenhum texto tem fim, quanto mais a gente mexe, mais muda aqui e acolá. Se olhar demais parece que nada está bom e dá vontade de apagar. O oposto é aquela inspiração repentina que chega esparramando centenas de ideias como se caíssem aos montes do céu sem nenhuma chance de se pegar nem a metade. Palavras indomáveis absolutas nos seus significantes e significados.

E tem maluco que ainda quer matar até Machado de Assis e trocar por esses ruídos de hoje em dia. Assassinar Machado já é demais. E a internet abre espaço para levianos irresponsáveis tratarem da vida e do conhecimento, como um artigo que se acha em alguma prateleira de supermercado.

É tempo sim de devolver o sabor de páginas, do trabalho e da lida com um texto, dando a ele o direito de nascer e crescer florescendo na alma de quem sabe o valor de adormecer tendo nas mãos um bom livro.

 

Luís Alberto de Moraes tem formação em Letras, leciona há quase vinte anos e prepara o lançamento de um livro de crônicas e poemas. @luis.alb