Um apelido assim faz jus ao poeta que por sua coragem não nos poupava em seus versos, um jeito naturalmente satírico. O deboche e a comédia facilmente transbordavam de suas linhas virando ofensa e até preconceito em muitos casos; mas com que genialidade esse baiano nascido em 1636 conseguiu se firmar como um crítico generalizado. Não poupava ninguém ao compor poemas que podemos pensar sob três temáticas nada cronológicas: satírica, lírica e religiosa. Essa última com mais profundas influências barrocas.
Se por aqui passar um jovem leitor que pretenda fazer a prova do Enem ou prestar a Fuvest, peço que comece pelos sonetos, muito marcantes em sua obra. Para compreender, inicie por estudar os contraditórios das figuras de linguagem: antíteses e paradoxos. O nosso “boca do inferno” curtia as rimas ricas e bem elaboradas esteticamente postas. Cultismo na construção que soube bem expor as incoerências do período barroco que viveu: reforma e contrarreforma com o teocentrismo medieval pregado pela igreja, se contrapondo ao pensamento racional e antropocêntrico.
Religião e ciência, fé e razão no embate de pensamentos em um Brasil escravocrata, só podiam resultar em uma arte complexa e cheia de referências, onde sugiro ao estudante: para compreender a essência, mergulhe também nas hipérboles, já que os exageros são uma marca abundante.
O nosso poeta, apesar de ter nascido na Bahia, andou também por Portugal, onde estudou Direito. Em Coimbra se casou, mas coitado ficou viúvo ainda jovem. Na época, dedicou-se a funções religiosas, para na volta ao Brasil acabar enfrentando problemas com a própria igreja católica, sendo perseguido pela inquisição, já que tinha comportamento rebelde e gostava de uns bordéis.
Deixemos isso de lado, porque como todo mundo merece uma segunda chance, ele voltou a se casar. Gregório, vagando entre o bem e o mal, corpo e alma, gostava de umas encrencas e em desentendimento com a classe política da Bahia, teve que ir para Angola, de onde retornou ao Brasil apenas no fim da vida, mas para Pernambuco, em Recife, onde faleceu.
Naturalmente sua obra reflete a experiência de passar por diferentes locais, mas evidente também que o forte do seu lirismo encontra cenário em Salvador. Vale lembrar que estamos falando do século XVII e que ele não publicou nenhum livro. A dualidade de pecar e pedir perdão, inerente ao homem barroco, esteve presente na sua composição e de certa forma viver duas vidas, talvez pudesse trazer a sensação do tempo passar mais rápido. Fora que naquela época as pessoas viviam menos.
Se eu fosse um homem barroco, hoje aos 40 já estaria dobrando o cabo da boa esperança. Compreendendo isso, ele também escreveu vertentes filosóficas sobre a efemeridade e o quanto que a vida se descortina breve como num piscar de olhos, sendo necessário aproveitá-la enquanto é tempo.
Posto isso, ao ler os poemas, vai encontrar críticas sociais e até pornografias e obscenidades. Encontrará também uma poesia religiosa com a sacralidade da fé em seus ritos de contrição em arrependimento e penitência. Há ainda a poesia lírico amorosa, afinal poeta que é poeta já teve o coração partido e precisa falar do amor romântico. Das redondilhas aos decassílabos e sonetos, eu garanto; vale a pena ler essa amálgama poética que sabe existir de maneira medieval e renascentista!
Luís Alberto de Moraes – @luis.alb – Autor do livro “Costurando o Tempo – dos Caminhos que Passei”