Este espaço reproduz um texto publicado semana passada pelo jornal Cruzeiro do Sul, que reflete fielmente as diferenças que existem num país com muitos recortes e desigualdades persistentes e um governo que vive de frases de efeito.
“Há um velho ditado popular repetido à exaustão por aí que diz assim: “papel aceita tudo”. Aceita decretos que não saem do papel, planos que nunca se concretizam e slogans que, mais do que mensagens, funcionam como cortinas de fumaça. O governo Lula, ao lançar recentemente o lema “Governo do Brasil, do lado do povo brasileiro”, parece reforçar esse jogo de palavras que soam bem nos discursos, mas que encontram pouco eco na realidade dura de todo o País.
O problema não está na frase em si – qualquer governante diria estar ao lado do povo e, se não fora assim em qual lado realmente estaria? O impasse nasce quando o slogan se transforma em tentativa de blindagem contra críticas, ao mesmo tempo em que se multiplicam falácias e promessas que soam cada vez mais vazias. O custo de vida segue alto, o endividamento das famílias não dá trégua e os serviços públicos continuam sendo o retrato de um Estado que promete mais do que entrega.
Às vésperas de um ano eleitoral, não surpreende que o governo intensifique sua narrativa. É o momento de transformar em peça publicitária aquilo que deveria ser política de Estado. Mas slogans não enchem a geladeira, não aliviam a conta de luz nem garantem escola de qualidade para “todos” os filhos da classe trabalhadora. Se o governo está realmente “do lado do povo brasileiro”, a prática precisa falar mais alto do que a propaganda.
Garantir gás de cozinha e energia elétrica grátis para uma parcela da população não é estar ao lado do povo brasileiro e sim dar o peixe em troca de alguma coisa, talvez o voto em 2026. Vai saber?
Dia desses, Sidônio Palmeira, ministro da Secretaria de Comunicação Social de Lula, soltou um texto à mídia para afirmar que “ao apresentar seu novo lema de comunicação, o Governo do Brasil realiza a síntese de uma história em construção e de um legado renovado, que aponta para o futuro. Aqui, peço uma pausa em forma de proposta: que os brasileiros passem a chamar o Governo Federal de Governo do Brasil. Esse é o pontapé inicial dessa síntese. Pode parecer pouco, mas é muito”.
A “intenção do ministro lulista “seria trágica se não fosse cômica” ou, mais precisamente, “seria cômica se não fosse trágica”, já que descreve uma situação tão absurda, extrema ou absurda que, embora pareça uma piada, na verdade é extremamente frustrante saber que só agora – três anos após o início da gestão – o governo tenta se apresentar “ao lado do povo brasileiro”.
Na cabeça do lulista Sidônio – conhecido na bolha como “um gênio” na comunicação política, na teoria, presume-se – o atual governo atende aos anseios de todos os 213,4 milhões de brasileiros (segundo estimativa do IBGE divulgada em agosto de 2025). Só que não: Na prática, o Brasil nunca foi um só. Há quem fale em “vários brasis” porque o País é um mosaico de realidades que o governo desconhece, ignora ou finge que não vê.
Temos um Brasil urbano, conectado, que fala de inovação, startups e inteligência artificial; e outro Brasil rural, que ainda enfrenta estradas de terra, falta de saneamento e escolas sem estrutura mínima. Um Brasil do agronegócio pujante, que alimenta o mundo, e que ainda, vira e mexe é criticado pelo governo lulista, e um Brasil da fome, que ainda resiste nas periferias e no sertão. Um Brasil que viaja de avião – principalmente se fizer parte do governo – e discute política em redes sociais, e outro que depende do ônibus lotado e sequer tem acesso à internet.
É possível enxergar também um Brasil das elites políticas e econômicas, blindado e distante, e o Brasil do povo comum, que paga a conta literalmente, seja no supermercado, no transporte público ou no posto de saúde.
Não são apenas dois ou três brasis, mas muitos. O Brasil é múltiplo, desigual e contraditório. E talvez o maior desafio nacional seja justamente reduzir essa distância: fazer com que esses vários brasis possam, um dia, se reconhecer como um só País de verdade.
No fim, o risco é que o Brasil continue refém de um discurso político embalado em frases de efeito. Afinal, o papel aceita tudo, inclusive a promessa de um governo populista que, na prática, segue distante das reais urgências do povo, que vão muito além do gás de cozinha e energia elétrica de graça com claros fins eleitoreiros. Menos corrupção e desvios de dinheiro público já fariam a diferença!”