Confissões de uma apreciadora de pamonha

(E de outras delícias que não sei fazer)

Tem gosto que mora na memória. E, para mim, a pamonha é um desses sabores que não alimentam só o corpo, mas abraçam a alma. Pamonha é poesia que se enrola na palha e cozinha devagar, como quem não tem pressa de ser feliz. É quando a vida resolve andar mais lentamente, ao ritmo do milho ralado no quintal e do fogo aceso com calma. É quase oração sem palavras, embalada em palha de milho, firme e doce.
Tem cheiro de junho e gosto de lembrança. Basta sentir o aroma escapando da panela para que algo dentro da gente se aqueça também. É quase uma filosofia de vida em forma de comida: para dar certo, precisa de paciência, cuidado e, se possível, uma boa prosa acompanhando o preparo.
Pamonha não se faz com pressa. Ela exige mãos que saibam esperar, ouvidos que escutem o silêncio do cozimento, olhos que reconhecem o ponto certo sem receita. É arte antiga, passada de geração em geração – saber intuitivo, cheio de afeto e simplicidade. É difícil quem faça pamonha sozinha. E ninguém faz uma só. Pamonha tem esse “quê” de cerimônia.
Quem já participou desse ritual sabe: ali se partilham histórias e risadas. Em torno do milho, o coração se amolece e a vida ganha outro ritmo com cozinha quente, família reunida e conversa solta.
E convenhamos, o processo de fazer pamonha é quase um teste de paciência espiritual: começa descascando, tirando os cabelinhos e lavando o milho – o que sempre pode gerar surpresas com o “bicho do milho”. Após, tem de ralar até o braço pedir arrego, espremer, coar, temperar, arrumar as palhas, fazer os saquinhos, amarrar sem vazar e, por fim, rezar para dar certo.
E no meio disso tudo, algum parente especialista que vem corrigir com um ar de mestre-cuca iluminado “essa aí vai abrir no cozimento”, “esse ponto tá ralo demais” … E você ali, tentando manter a dignidade com milho até no cabelo.
Confesso que nessa divisão de tarefas a mim sempre coube preparar os milhos, deixando-os limpos e prontos para quem realmente entende de cozinha. Nunca me achei uma grande cozinheira, mas me considero uma excelente apreciadora de pamonhas. Daquelas que fecha os olhos para primeira colherada e diz “meu Deus do céu”, como se estivesse fazendo uma prece.
É o que eu sempre repito: não sei preparar essa iguaria, mas sei apreciá-la. Admiro quem sabe fazer pamonha com mãos sábias e gestos lentos. Gente que entende de tempo, que respeita o silêncio da panela borbulhando e que não tem medo da bagunça na cozinha. Porque fazer pamonha é arte, é paciência, é alquimia de milho e memória.
Eu, do lado de cá, sigo aplaudindo de boca cheia. Sigo firme no papel de quem valoriza a cultura, a tradição e, principalmente, os talentos culinários alheios. Afinal, o mundo precisa de artistas, mas também precisa de plateia. De quem prova, elogia, repete e ainda leva um pouquinho para casa.
Então, se você for do time das que não cozinham, mas se emocionam com o cheiro de pamonha no ar, venha. Sente aqui comigo. Vamos brindar à vida com café passado na hora e uma pamonha bem quentinha – feita por alguém que sabe. Porque no fundo, minha amiga, saber apreciar também é um dom.
E eu prefiro viver assim, sei que sou mais feliz desta forma… valorizando os sabores que atravessam o tempo e acolhendo com gratidão as delícias que não sei fazer, mas que sei sentir, profundamente, com alma e memória. E a você, caro leitor, desejo que encontre também suas pamonhas da vida: aquelas pequenas alegrias que, mesmo sem receita, aquecem o peito e nos fazem lembrar quem somos e de onde viemos.

Drielli Paola – @drielli_paola. Servidora Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo. Bacharel em Direito, com pós-graduação e extensões universitárias na área jurídica. Entusiasta de psicologia, história, espiritualidade e causa animal. Apaixonada pela escrita.