Reformas costumam se materializar em condições muito especiais
Boas reformas estruturantes são fundamentais para elevar a produtividade da economia no longo prazo. Embora esse seja um fato incontroverso, colocá-lo em prática é um dos grandes desafios dos governos. Os custos de curto prazo podem ser elevados e os interesses que se beneficiam do “status-quo” são organizados para bloquear as mudanças que favorecem a sociedade. Os que têm menor capacidade de coordenar-se politicamente, frequentemente os que mais precisam do Estado, têm dificuldades em concretizar suas demandas.
É por isso que as reformas costumam se materializar em condições muito especiais. Geralmente, em começo de mandato, quando o recém ungido pelas urnas tem poder para brigar por elas, ainda que sem garantia de sucesso. Não menos importante é dispor de projetos maduros que gozem de certo consenso na sociedade de forma a mobiliza-la a se contrapor aos grupos de pressão e às castas que se apropriam do poder político.
Bolsonaro sempre revelou baixíssimo interesse em resolver problemas – do Brasil ou mesmo do seu governo. Se absteve de apoiar as reformas que o país precisa e, quando se manifestou, foi para diluí-las ou proteger pequenos grupos. Ainda assim, parte do governo, com o apoio do Congresso e da sociedade, conseguiu se mobilizar para fazer o país caminhar na direção correta com duas reformas fundamentais: a Previdência e o novo marco do saneamento. A elas somaram-se outros projetos relevantes e a manutenção de um relativo controle do gasto público, a despeito da pandemia.
Infelizmente, a crise da Covid adiantou o calendário eleitoral e as condições que permitem o avanço de boas reformas não estão presentes. Um presidente em dificuldade de reeleger-se, pressiona (e recebe pressão dos que têm pretensões eleitorais próprias) por uma estratégia que supostamente lhe daria maior competitividade: a expansão dos gastos públicos. Como as consequências sempre vêm depois, a tentação é grande.
Não é aceitável que se utilize as “reformas” como pretexto para acomodar demandas claramente eleitoreiras. Não se deve insistir em projetos de baixa qualidade ou que, para se tornar politicamente viáveis, tenham alta probabilidade de serem desfigurados no Congresso. É a garantia de cristalizarem-se mais entraves ao crescimento da economia brasileira no longo prazo, além de ser um processo que acentua a instabilidade macroeconômica em tempo real.
Como disse Francis Bacon, que Deus nos livre de tomarmos os sonhos de nossa imaginação como realidade do mundo. Os utopistas, na ânsia meritória de fazer mais, costumam ignorá-lo.
Antônio Delfim Netto: Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”