O custo Brasil é uma consagrada concepção para significar os custos da burocracia, do desperdício, dos gastos sem sentido, enfim, da cultura arcaica, cujas raízes estão profundamente fincadas no ethos nacional. A pergunta é: a reeleição, tema recorrente na paisagem política, integra o acervo do Custo Brasil? O assunto volta a se fazer presente na agenda do Congresso Nacional, merecendo uma reflexão sobre seus benefícios e malefícios.
Coloquemos as principais teses que cercam o debate. Pontos positivos: a reeleição permite ao governante eleito, que vê seu mandato prorrogado por mais quatro anos, concluir o seu programa de governo ou, ao menos, deixar um apreciável conjunto de obras e ações no mapa do desenvolvimento. Evita a interrupção, para uns, abrupta, da administração, e as consequentes mudanças na biruta dos rumos, face à conhecida tradição dos governantes de apagar os feitos dos antecessores. Além disso, aprimora o processo decisório, ao convocar o eleitorado a escolher, de quatro em quatro anos, os seus mandatários, contribuindo para sua maior inserção na política, chancelando o trabalho dos aprovados e dando o passaporte de volta ao lar aos desaprovados.
Pontos negativos: propicia o uso/abuso da máquina pública em benefício de candidatos, e consequente apropriação da res publica para engorda de interesses privados. Transforma o país em um território envolto em negociações e trocas, na medida em que o governante eleito para um ciclo de quatro anos, no dia seguinte ao pleito, já começa a fincar estacas com vistas às eleições seguintes. A política tem como foco a reeleição. Que pode abrir a janela para o continuísmo danoso ao tecido institucional, eis que o grupo governante (partidos e núcleos) trabalha sempre para se perpetuar no poder. O argumento de que quatro anos são insuficientes para o governante realizar as promess as feitas para as comunidades tem sido o escudo para defender a proposta.
É pertinente observar que a eliminação da reeleição contribuirá para oxigenar a administração pública, arejando a cena com rotatividade maior no poder e obrigando partidos e candidatos a retornarem com vigor à arena da disputa. Também é pertinente constatar que os candidatos nos cargos contam com handicap formidável: máquina administrativa, visibilidade, recursos e apoios múltiplos, domínio de estruturas partidárias e controle das redes sociais.
Quanto menor a instância político-administrativa, maior o poder de fogo de candidatos à reeleição. É sabido que o Produto Nacional Bruto da Corrupção começa a subir pela escada das prefeituras. A imensa maioria dos prefeitos (5.570) vai se candidatar este ano. Por que tanto interesse? Pinço uma explicação de fundo histórico por trás da ideia nefasta. Trata-se da origem dos direitos em nosso País. Como ensina o saudoso José Murilo de Carvalho, entre nós, a cultura do Estado prevalece sobre a cultura da sociedade. Direitos são vistos como concessões, e não como prerrogativas, criando uma ‘estadania’ que sufoca a cidadania.
Neste ponto, convém lembrar o exemplo dos Estados Unidos, país que adota o estatuto da reeleição. Ali, o presidente Franklin Roosevelt permaneceu por quase quatro períodos (1933-1945, veio a falecer ao correr do último) seguidos na Presidência. Quando foi escrita, a Constituição norte-americana não restringia mandatos consecutivos. Acontece que os norte-americanos se unem em tempos de crise. Depois da recessão de 1929, elegeram Roosevelt, dando-lhe, depois, mais três mandatos. Após a 2a Guerra, restringiram a reeleição a apenas um segundo governo, na crença de que o excesso de poder dos governantes seria prejudicial. Ademais, observa-se no país maior grau de conscientização da comunidade política.
Eis algumas diferenças. Nos Estados Unidos, o império da lei funciona. Direitos são respeitados. Os tribunais fazem permanente interpretação da legislação. Mais que isso, a força da sociedade é extraordinária, agrupando associações de todos os tipos, que fiscalizam, cobram e diminuem o poder de influência do governo sobre a vida das pessoas. A pujança social é um freio para qualquer iniciativa totalitária. Já em nossas plagas, o Estado costuma expandir sua sombra deletéria.
Ah, mas um mandato de apenas quatro anos fecha aos governantes a possibilidade de cumprir seu programa, argumentam alguns. A solução: que se aprove um mandato de cinco ou seis anos, sem reeleição sucessiva, permitindo ao governante aplicar seu programa em período dilatado, com a adaptação ao tempo de mandato. O país deixaria de ter eleição de dois a dois anos, cortando-se bom pedaço do Custo Brasil.
Para evitar perda aos atuais atores, que se aprove a medida para instalação do novo processo depois de um tempo de maturação, em 2030, por exemplo, dando-se condições para reajustamento/planejamento dos passos na vereda política.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação.