Como deputado constituinte, creio que a concepção geral da sociedade “civilizada” proposta na Constituição de 1988 é razoável: 1) ampla liberdade individual; 2) busca da igualdade de oportunidade; 3) controle de um Estado democrático forte, constitucionalmente limitado, capaz de coordenar mercados bem regulados. Infelizmente, o pensamento “mágico” prevaleceu nas finanças públicas, nas quais se escondeu um desequilíbrio fiscal “estrutural” que permaneceu adormecido, mas acordou com energia depois da insensata política econômica voluntarista iniciada em 2012.
Existem miríades de coisas a fazer (principalmente na microeconomia), mas na macroeconomia só há uma: dar à sociedade a certeza de que a recuperação do desenvolvimento econômico depende da construção do equilíbrio fiscal e que ele será feito com a maior justiça possível. Poucas vezes foi necessário fixar um “polo atrator” de nossa ação e pôr nele todo o foco. O programa do governo interino está correto. Não há como escapar à obediência a tetos nominais de despesas, mas eles não serão exequíveis sem medidas complementares que abram espaço fiscal para acomodar algumas prioridades. O “teto” só faz sentido se acompanhado da redução dos dispêndios com juros da dívida pública, dos gastos da previdência e de uma melhoria no estado de espírito dos agentes econômicos.
O sucesso do programa exige: 1) que o Governo aproveite a mudança de expectativas para atrair o investimento privado para as obras de infraestrutura; 2) que o Congresso aprove as medidas fiscais e dê conforto ao Banco Central para baixar a taxa de juro real (que está subindo pela queda da inflação esperada) e distensione o crédito, o que reduzirá o dispêndio de juro da dívida pública; 3) que se chegue a um acordo republicano sobre o controle dos gastos previdenciários.
A situação exige compreensão e paciência. Recusa o arroubo tecnocrático que nega o exercício da política. O problema previdenciário não é uma simples questão aritmética, ainda que possa parecê-lo. Envolve uma formidável questão ética escondida na aparente solução técnica de uma ilusória solução matemática que, permanente e automaticamente, fecharia a “conta”. Tal “solução” não existe! As mudanças na taxa líquida de reprodução, nas expectativas de vida ao nascer e ao se aposentar e nos avanços científicos e seus custos alteram a estrutura demográfica do lado da demanda de recursos e as desventuras da acumulação e da taxa de juros real afetam a sua oferta.
Trata-se de um problema contábil, sim, mas que só pode ser resolvido numa democracia, pela negociação política permanente e elevados custos de transação.
Fonte: uol