Fé na vida

Se eu tivesse apenas mais um dia, não saberia nem por onde começar. Lembro da sensação de quando brincava no “Play Center” e ao final da tarde, sabia que próximo da hora de ir embora e do parque fechar, era uma agonia escolher para qual brinquedo eu gostaria de ir. As pressões em situações de limite são terríveis e sem querer comparar, tive a curiosidade de ver essa semana algo sobre como se comportam as pessoas em situações terminais.
Eu quis saber o que dizem aos seus médicos, aqueles que sabem que a chama está se apagando e que a vida acontece na certeza da brevidade do fim.
Descobri que as pessoas falam de arrependimentos quando percebem que já não há tempo. Sim, com a notícia as pessoas se arrependem, mas se arrependem do que? Para minha surpresa a especialista contou que os arrependimentos recorrentes são sempre os mesmos: se arrependem de ter trabalhado muito, de não ter passado muito tempo com os amigos ou com as suas famílias; de ter investido tempo e dinheiro em coisas erradas.
Pois é, se arrependem de coisas simples e quanto mais avançada a doença e quanto mais perto da morte, os desejos são cada vez mais simplórios: comer uma comidinha caseira, ouvir a voz de um filho, dar um abraço em um velho amigo. Ninguém deseja ter uma “Ferrari”.
Fica fácil descobrir que a felicidade mora na simplicidade de estar com quem amamos, de recostar a cabeça em um desgastado e preferido travesseiro ou se cobrir com aquele velho cobertor.
Ando muito satisfeito com a oportunidade de ter descoberto tanta coisa importante com a lucidez, idade e saúde que me permitem desfrutar ainda. Faz tempo que não vivo apenas. Eu saboreio a maior parte dos meus dias como alguém que prova lentamente dos itens de um banquete, deixando a superfície da boca tocar completamente os sabores e aromas.
Que delicia a maturidade para a compreensão dos avessos, para as esperas e para a liberdade. Claro que por vezes estou à beira do descontrole ou o ultrapasso, mas logo compreendo.
Ando tendo mais fé e porque creio, tenho menos medo. A confiança na justiça me cabe bem, ainda que a dos homens tarde e muitas vezes falhe. Humanamente a justiça que desejamos quase sempre é vingança. Vingar, falsamente nos justificaria.
Quando deixamos esse egoísmo disfarçado para trás, com certeza tudo fica mais leve. Se eu me soubesse com pouco tempo, teria eu muito que fazer. Há tanto que ainda não tenho coragem ou então que prefiro esperar. Crer no escuro é um grande gesto de coragem.
Às vezes penso que já deveria começar a escrita das minhas memórias e desejaria fazer como Braz Cubas, iniciando pelo fim. Tudo para poder acompanhar como seria a minha partida para alguns. Se chorariam muito, se me esqueceriam logo ou se me levariam para sempre no coração e desta forma, eu continuaria vivendo nelas.
Mas hoje, minha vontade seria a de perceber se alguém se arrependeria de não ter me dito o que precisava ou de me abraçar enquanto teve chance. Deve ser maravilhoso e terrível ser autor defunto, pois a curiosidade estaria atendida, mas a sensação de impotência, me faria implorar por um findar mais tradicional.
Sendo assim, a comparação é apenas para que o texto fique leve, caro leitor. Afinal, amarga tantas vezes já é a vida, que você merece nesse início de primavera uma leitura agradável, que tenha te roubado um sorriso e umas reflexões, mas principalmente, tomara que tenha ficado com vontade de ler e viver um pouco mais.

Luís Alberto de Moraes – @luis.alb – Autor do livro “Costurando o Tempo – dos Caminhos que Passei”