O mistério das chaves perdidas

Ninguém escapa, um dia, mais cedo ou mais tarde, perdemos as chaves. Pode ser a do portão, a do carro, a da gaveta antiga. E então começa a pequena saga: revira-se a bolsa, os bolsos, os cantos da casa, como se estivéssemos atrás de um tesouro invisível. Mas talvez as chaves escondidas falem mais sobre nós do que imaginamos. Afinal, não são apenas os objetos que somem – às vezes é a paciência, a calma, a fé. E a busca por uma chave se transforma, sem perceber, numa busca por nós mesmos.
Isso nos lembra que não temos controle de tudo, que a vida gosta de brincar de esconde-esconde e que parte do caminho é aprender a esperar, confiar e improvisar. Há portas que se abrem facilmente, outras que requerem paciência, persistência. Tem aquelas nos pedem flexibilidade e versatilidade para serem abertas de outras formas. E as mais difíceis: as que nos exigem sabedoria e coragem. Sabedoria para aceitar que não serão abertas, ao menos não naquele momento, e coragem de seguir em frente por outra passagem.
Perder chaves é metáfora das pequenas perdas que, sem perceber, nos ensinam. Porque enquanto procuramos, encontramos outras coisas esquecidas, como uma foto caída atrás do móvel, uma lembrança guardada numa gaveta ou até um pouco mais de calma dentro de nós.
É como se elas, ao se esconderem, nos obrigassem a olhar para além do óbvio, a revisitar lugares e lembranças que estavam dormindo. Por vezes, esse ato de procurar nos devolve um tempo que não planejávamos viver: o tempo de parar, observar, abrir espaços e redescobrir detalhes da casa e da vida que, na pressa, passam despercebidos.
E quando, finalmente, elas aparecem, quase sempre estão no lugar mais óbvio, diante dos nossos olhos. Em cima da mesa, no fundo da bolsa, no bolso do casaco. É como se a vida nos desse um sorriso irônico e dissesse “Você complicou o que era simples”. Quantas vezes não fazemos o mesmo com sentimentos, escolhas e rumos?
Procuramos longe, quando estava perto. Passamos correndo por algo que estava ali, na nossa frente, no nosso alcance, mas que com o olhar bagunçado não foi possível ver.
E, no meio de toda essa busca, percebemos algo curioso: não é a chave que muda nossa vida, mas a forma como caminhamos enquanto a procuramos. Cada gesto, cada olhar atento, cada pequeno detalhe que notamos no caminho nos transforma silenciosamente.
No fim, as chaves voltam, quase sempre. E quando não voltam, arrumamos outra forma de abrir, seja com um chaveiro, uma cópia ou um caminho alternativo. É assim também com a vida. Às vezes, o que perdemos não volta mais, mas aprendemos a inventar novas portas, a criar passagens, a construir novas entradas. Perder dói, mas também ensina. Encontrar alegra, mas nem sempre da forma que imaginávamos.
Talvez seja esse o verdadeiro mistério: descobrir que, mesmo no que se perde, existe uma chance de recomeço e que o encontro, ainda que não seja exatamente o que buscávamos, também pode nos salvar.
E eu prefiro viver assim – sei que sou mais feliz desta forma… deixando que cada chave perdida me ensine algo novo sobre mim mesma. A você, caro leitor, desejo que, mesmo diante das chaves perdidas da vida, nunca lhe falte a coragem de procurar, a sabedoria de aceitar e a leveza de perceber que, às vezes, o que realmente importa já está dentro de você.

 

Drielli Paola – @drielli_paola. Servidora Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo. Bacharel em Direito, com pós-graduação e extensões universitárias na área jurídica. Entusiasta de psicologia, história, espiritualidade e causa animal. Apaixonada pela escrita.