Para quem não sabe minha profissão

Um tempo de sobra, um calor gostoso e uma boa prosa. Receita para colocar a cabeça para funcionar e mergulhar em umas lembranças. Foi assim em um fim de tarde destes, e eu gosto de cronologicamente estabelecer meus passos na vida, ao menos desde o momento em que eu me conheci por gente. Costumo contar tudo lembrando dos lugares onde morei e de acontecimentos que ressurgem pois estavam adormecidos.
Quando faço isso, acabo por perceber que perdi a noção dos sofrimentos, das humilhações e dores. Ao mesmo tempo fico mais forte, pois subitamente percebo tudo que já tive que passar. Muitas certezas se renovam, outras se iniciam e outras tantas ficam tão concretas que posso ver, como se lançasse o olhar em uma água cristalina de um mar calmo destes do Nordeste.
Morrer deve ter um dia assim, em que a gente se senta confortavelmente em uma poltrona ao lado de Jesus e então começa a assistir o filme da vida. Uma conversa de fim de tarde deve ser uma espécie de ensaio para isso, já que quando as palavras vindas do coração começam a sair pela boca, tudo vai sendo reavivado e o filme vai passando.
Viver isso aqui, prepara a alma para dar conta das lembranças afetivas e abrir as janelas. Tocar nas feridas com liberdade sabendo que o que foi feito, está feito. O que não tem remédio, remediado está, como dizem os antigos.
Nas minhas lutas não havia plateia. Vivi muitas delas sem que alguém pudesse reconhecer as vitórias, tanto naquelas épocas, como hoje em dia. Vejo que minha mãe sempre foi a pessoa presente e junto dela alguns bons amigos sempre estiveram por perto. Estiveram e estão dentro da minha casa como se fosse a casa deles. Já passei cada uma, que hoje mesmo sem ter muito, logo noto que caminhei bastante.
As respostas de quem me tornei, bem como as convicções sobre alguns erros e acertos me enchem de esperança. Meu grande medo era ficar sozinho quando minha mãe tivesse que partir. Deus foi tão maravilhoso que me deixou uma família. Tudo que parecia tão incrível ficou ainda mais surpreendente com aquela menina. A caçula tem alegria nos olhos e a cor azul é encantadora quando sorri. Ela sempre sorri. Quando dorme, fico ouvindo a respiração. Ela respira e eu suspiro.
Hoje não há nada que possa ser mais importante do que ser pai dela. Faço uma porção de coisas, mas se me perguntarem o que eu faço, direi: Sou pai.
O que eu mais quero é continuar fazendo o que gosto. A oratória e a palavra escrita são o tesouro entregue que eu sei que devo continuar aperfeiçoando e fazendo isso, todo vocabulário vai continuar me arrastando naturalmente para o sucesso e prosperidade.
Quero mesmo é viajar e como é bom viajar. Preciso conhecer logo outros cantos e cruzar os céus nas asas dos sonhos e da aviação. Voar é bom demais. Tanto sentir o barulho do vento em um monomotor até que tenha sustentação e saia do chão, como olhar pela janela um motor a jato dar o empuxo necessário para levar toneladas a centenas de quilômetros por hora.
Se meu destino for assim, terei cumprido bem a missão e valeu a pena esperar. Me educo para não esperar gratidão, para não esperar por quem não quis ficar. Quem não se despediu perdeu a chance e o privilegio da minha amizade. Sim, pois sou pessoa bem agradável de ter por perto e pouco me importa a modéstia. Importa mais a verdade que a hipocrisia. Melhor um sorriso ingênuo, que uma máscara imponente de títulos e pobre por esconder frustrações e doenças.
No coração restam lugares, mas meu tempo está cada vez mais caro. Por isso, entrego de graça e sem reservas a quem merece.

Luís Alberto de Moraes – @luis.alb – Autor do livro “Costurando o Tempo – dos Caminhos que Passei”