O menino que entregava os jornais

Meu primeiro trabalho, como está na biografia que há no meu livro, foi entregando jornais. Alguém comentou com minha mãe que estavam precisando desta mão de obra e fui. Era um sábado pela manhã bem cedo. Eu e outros meninos ficávamos nas escadas do prédio do Braga. Quem é de Mairiporã e tem mais de trinta, acredito que saiba onde fica. O jornal era o “Folha da Cantareira”.
Na minha memória deveria estar em curso o ano de 1993. Recebemos cada qual seu pacote com os jornais e fomos divididos por regiões, em locais não distantes do centro. Afinal, éramos uns moleques e não daria para caminhar para muito longe. Mairiporã naquela época era tão diferente que lembrar desses fatos, ao invés de parecer que foi ontem, é como se eu descrevesse algo de uns cinquenta anos atrás, ou mesmo hoje em dia, parece até que nunca aconteceu, tamanho o absurdo da diferença.
Fato é que foi exatamente assim que aquele início dos anos noventa marcou meu primeiro ofício para sempre na memória. Por alguma razão, fui escolhido para levar os jornais no centro da cidade. Ruas XV de Novembro, Coronel Fagundes, Antônio de Oliveira e Tabelião Passarella. Veja que sorte a minha: Não precisei andar muito, embora as perninhas de menino ainda fossem curtas com pouco mais de uma década de vida e nenhuma penugem no rosto.
Eu chegava acanhado, entrando pelas portas dos comércios. Saudava com um tímido bom dia e perguntava se poderia deixar o jornal. Para a segunda semana, aconselhado pela minha tia, fui de avental, pois ela dizia que o papel era sujo. Claro, a palavra bullying nem existia, mas sofri na pele os olhares dos outros me pondo apelidos e rindo do meu fardamento de entregador. Daria muito por uma foto daquele menino de avental caminhando com os jornais, mas o que restam são apenas memórias não materiais.
Pude conhecer muitas pessoas, ganhar a simpatia de alguns e até recebia por vezes uns mimos, como canetas ou chaveiros. No entanto, a melhor lembrança foi a do primeiro dia.
Recebi o tostão que me cabia e enrolei a nota de cruzeiro na mão. A distância entre a Travessa Antonieta Cirillo Spada e a minha casa, ao lado do edifico Bonet parecia interminável. Eu estava tão ansioso que se fosse possível naquele momento verificar meus batimentos, deveria estar absurdamente acelerado.
Cruzei o portãozinho e fui até a porta apoiando naquela aldrava antiga para chamar minha mãe. Me lembro de sentir os passos dela e imagino seus pés nos chinelos que cada passo, batiam a borracha contra o chão. Os sons foram ficando mais próximos e finalmente ela abriu a porta.
Não sei o que exatamente o que eu disse, mas tenho certeza de que estendi os braços e dei a ela aquela nota para que pudesse comprar o que precisasse. Eu não sei o que seria possível comprar, mas queria que ela imediatamente fosse a padaria ou ao mercado. Fiquei tão feliz, que tenho certeza que aquela alegria é uma das maiores que já senti.
Lá se vão muitos anos e a relação com os periódicos parece mesmo intrínseca para mim, já que tenho essa oportunidade de todas as semanas ocupar esse lugar de honra na página quatro do Correio Juquery, para partilhar boas histórias, na intenção de que ao chegar até vocês, caros leitores, possam ser razões inspiradoras para o seu dia e te façam recordar as suas boas histórias de aprendizagens e de vida.

Luís Alberto de Moraes – @luis.alb – Autor do livro “Costurando o Tempo – dos Caminhos que Passei”