Sem teto a casa cai

Sem ele, teremos mais inflação, menos crescimento e menos renda

A “causa causans” para a formulação do teto de gastos foi a necessidade urgente de devolver à sociedade brasileira a perspectiva de solvência do Estado dentro de um horizonte razoável.

Com a destruição gradual e cuidadosa das regras fiscais que vigoravam até então e em plena recessão econômica, criou-se um mecanismo de coordenação através do qual o Estado prometia, a partir da contenção do ritmo de crescimento dos gastos públicos, ser fiscalmente responsável até 2026.

Pode-se discutir se o teto era o melhor instrumento para fazer isso, mas é inegável que ele auxiliou no cumprimento de seu propósito primário original e, com isso, contribuiu para derrubar a taxa de juros e dar maior estabilidade à economia brasileira.

É por essa razão que as escolhas da semana passada causam estrago. Executivo e Legislativo abrem mão desse útil artefato de comprometimento com uma trajetória futura sem dizer à sociedade o que colocarão em seu lugar, e os agentes econômicos perdem a baliza para avaliar a (in)sustentabilidade da dívida pública.

A consequência é o comportamento visto nos preços de ativos e a disparada dos juros, o que resultará em mais inflação, menos crescimento e menos renda, principalmente para os mais pobres. Reflete a opção míope de reformular o teto no primeiro instante em que ele se mostra uma restrição verdadeiramente ativa, sem que haja a revisão dos gastos de baixíssima eficácia que dormem no Orçamento; sem a contenção dos ímpetos eleitoreiros dos que querem irrigar suas bases políticas com recursos para maximizar sua probabilidade de reeleição; sem forçar ao constrangimento público os que optam por manter duas dezenas de bilhões de reais em emendas de relator. Tudo em detrimento das prioridades da sociedade brasileira em meio aos efeitos da maior pandemia em mais de cem anos.

E é por isso que a engenhoca não se torna “menos grave” pelo fato de o montante final do “extrateto” ser pequeno em relação ao total do Orçamento ou porque a trajetória do gasto primário como proporção do PIB ainda será declinante. Tudo isso é verdade, mas não altera a realidade (nem as consequências) da violação da credibilidade do elo com um futuro fiscalmente sustentável nem os efeitos da recusa reiterada de fazerem-se escolhas dentro das regras do jogo.

Jogamos fora a chance de consolidar uma perspectiva econômica melhor para 2022, depois da boa recuperação relativa em 2020-21. A necessária e imprescindível atenção ao mais pobres —obrigação moral do Estado – é usada como escudo para justificar escolhas autointeressadas.

Não é pelos R$ 400.

 

 

Antônio Delfim Netto: Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”