A operação de usinas hidrelétricas está relacionada à morte de toneladas de peixes nos últimos 10 anos em todo o Brasil, segundo apontou estudo da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e das universidades federais do Pará (UFPA) e de Tocantins (UFT), publicado na revista Neotropical Ichthyology na sexta-feira (9).
Os pesquisadores investigaram 251 eventos de mortandade de peixes de água doce registrados em todas as bacias hidrográficas brasileiras, em rios e reservatórios, revisando casos ocorridos entre 2010 e 2020. Esses eventos foram registrados principalmente em trechos de rios abaixo de usinas hidrelétricas. Em 2007, no reservatório da hidrelétrica de Xingó, localizada entre os estados de Alagoas e Sergipe, foram perdidas 297 toneladas de tilápia, conforme cita o estudo.
O estudo cita que, desde os anos 1970, houve um declínio de 84% das espécies de peixes de água doce no mundo, segundo relatório de 2018 da organização não governamental World Wide Fund For Nature (WWF).
Impacto ambiental – Apesar de a geração de energia a partir de hidrelétricas ser vista como limpa e renovável, a mortandade em massa dos peixes em áreas de hidrelétricas foi associada a suas operações. De acordo com o estudo, o enchimento do reservatório das usinas, o ligamento e o desligamento de suas turbinas e a abertura e o fechamento das comportas de vertedouros causam mudanças repentinas no ambiente, que tem impactos negativos para os cardumes.
Esses fatores, que fazem parte da operação regular das hidrelétricas, afetam a quantidade de oxigênio e de outros elementos na água, além da quantidade de água nos rios, o que pode levar à morte dos peixes. Além de impacto ambiental e risco à biodiversidade, esses eventos levam a impactos sociais e econômicos para as populações de pescadores e ribeirinhos que dependem da pesca para viver.
Os resultados do estudo apontam que a abertura das comportas para liberar água do reservatório, seja para regular a vazão do rio ou para facilitar o funcionamento das turbinas com a remoção de plantas aquáticas, por exemplo, é uma das principais atividades relacionadas aos eventos de mortandade de peixes. O lançamento de água pode levar à supersaturação de gases na água, que pode levar os peixes à morte.
“Uma manobra rápida do vertedouro pode levar a uma grande mortandade, porque leva à formação de supersaturação. A água que desce pelo vertedouro mergulha fundo. E, quando ela leva ar lá para o fundo, 20 metros de profundidade, esse ar atmosférico dissolve e você não vê bolhas, é como se fosse uma água com gás dentro da garrafa sem abrir, você não vê nada. Quando chega na superfície, essas bolhas vão se juntando e formando bolhas maiores e visíveis. A principal mortandade ocorre no pé da barragem, no local em que essas águas supersaturadas se espalham mais”, explicou Ângelo Antônio Agostinho, pesquisador da UEM e um dos autores do estudo. O vertedouro tem a função descarregar toda a água não utilizada para geração.
O pesquisador relatou que, geralmente, os peixes se acumulam no pé das barragens porque eles são atraídos pela corrente e sua movimentação normalmente é contra a corrente. Diante disso, qualquer situação que aconteça na barragem acaba afetando esses peixes, e a supersaturação é uma delas.
Períodos de seca – A alta mortandade de peixes também pode ser associada ao fechamento de comportas, que ocorrem, em geral, na estação seca, quando o reservatório tem redução do nível de água. Mudanças repentinas nesse contexto afetam a quantidade de água a jusante, o que pode levar à morte de peixes abaixo da barragem especialmente quando os peixes permanecem presos em piscinas, sob condições de baixa oxigenação.
“Normalmente acontece essa morte quando eles fecham a unidade geradora [de energia], baixam a comporta, para poder escoar a água que tem dentro, geralmente para fazer manutenção. Durante esse fechamento, pode ficar muito peixe lá dentro e eles consumirem o oxigênio e acabarem morrendo. Essa é uma maneira que tem morrido muito peixe no Brasil. E a outra maneira é supersaturação mesmo. Eu atribuo a essas duas as principais fontes de morte de peixe em barragem no Brasil”, disse.
Avaliação e planejamento – Agostinho afirma que o início do funcionamento de uma usina hidrelétrica, quando as máquinas estão sendo testadas para garantir que foram corretamente projetadas, fabricadas, instaladas e operadas, é uma oportunidade para avaliar se suas características físicas e operacionais estão afetando os peixes da região.
Uma das ações de mitigação do impacto das águas que descem pelo vertedouro, apontada no estudo, é a instalação de defletores de fluxo para redirecionar a água vertida horizontalmente, tornando o jato superficial, prevenindo que bolhas mergulhem para o fundo da bacia de dissipação, e, dessa forma, minimizar a supersaturação.
Segundo o pesquisador, um dos objetivos do estudo é fornecer informações para orientar a tomada de decisões nas vistorias e planejamento da instalação de novas hidrelétricas a fim de evitar a morte de peixes.
“Os órgãos de controle ambiental devem contemplar, no termo de referência no processo de licenciamento hidrelétrico, a avaliação dos impactos ambientais relacionados à operação das estruturas hidráulicas (vertedouro e turbinas). Deve-se considerar o projeto do vertedouro, características da bacia de dissipação de energia, além de facilidades para aeração e acesso aos compartimentos das turbinas”, concluíram os pesquisadores no artigo.
Além disso, eles apontam que o momento de testes das estruturas das hidrelétricas para garantir que foram corretamente projetadas, fabricadas, instaladas e operadas, é uma grande oportunidade para avaliar se suas características físicas e operacionais têm impacto negativo no conjunto de peixes da região.
Segundo o pesquisador, se a energia da queda d’água de uma barragem não é dissipada, outros problemas – como erosão – podem ocorrer. Esse fator põe em risco a segurança da instalação.
Mas é possível utilizar mecanismos para fazer a dissipação, afirma. “Isso é possível, tanto que nem todas as usinas têm esse problema hoje. Itaipu é uma usina enorme e não tem esse problema. Então a supersaturação pode ser resolvida com cuidados na operação ou pode ser resolvida com mudanças na estrutura.”
O Ministério de Minas e Energia disse, em nota, que não pode se posicionar, pois não teve acesso ao estudo citado. A Agência Brasil procurou o Ministério do Meio Ambiente e não obteve retorno até a conclusão da reportagem. (Camila Boehm/Agência Brasil – Foto: Caio Coronel/Itaipu)