A educação domiciliar e a realidade educacional no Brasil

Tramita na Câmara dos Deputado um projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar. O governo federal estabeleceu como prioridade o Ensino Básico.

O ‘homeschooling’ possibilita as famílias educarem seus filhos fora da instituição escolar, passando ensinamentos conforme o estabelecido na BNCC – Base Nacional Comum Curricular. As famílias poderão contratar professores particulares na educação domiciliar.

A ‘homeschooling’ já está legalizada em países economicamente desenvolvidos, entre eles Estados Unidos, Canadá, França, Inglaterra, Itália, Suíça. Por outro lado, Alemanha, Suécia e Lituânia possuem leis proibindo. Na Grécia, Espanha e Holanda não há consenso quanto a legalidade, mas não há proibição.

A Educação Domiciliar também frequenta países emergentes como Rússia, África do Sul, Equador, Colômbia e Chile. No Chile a modalidade é considerada legitima mesmo sem uma legislação específica.

No Brasil, em 2018, o STF-Supremo Tribunal Federal considerou ilegal a opção pelo ensino domiciliar devido à falta de uma lei que regulamente.

A legislação educacional brasileira tem normatizada a atuação do Estado – União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como as escolas privadas. O mesmo deve ocorrer especificamente com a família para garantir os deveres constitucionais sobre a educação de seus filhos atendendo a Constituição Federal, em especial, o Capítulo III, Seção I – Da Educação.

Sendo assim, o Projeto de Lei Nº 2401/2019 que dispõe sobre o exercício do direito à educação domiciliar estabelece que “o estudante matriculado em educação domiciliar (Ensino Básico) será submetido, para fins de certificação da aprendizagem, a uma avaliação anual sob a gestão do Ministério da Educação”. Sob a gestão do MEC?

A Constituição Federal estabelece as responsabilidades educacionais dos entes federados onde Estados, Distrito Federal e Municípios atuarão, prioritariamente, no ensino básico. E, ainda, define as competências da União no § 1º, art.211 da CF/88: “A União organizará e financiará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, e prestará assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória.”

O projeto de lei define que “A certificação da aprendizagem terá como base os conteúdos referentes ao ano escolar correspondente à idade do estudante, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular, com possibilidade de avanço nos cursos e nas séries, nos termos do disposto na Lei de Diretrizes e Bases de 1996”.

Salvo melhor juízo, a relatoria do PL 2.401 ou a respectiva Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados deverá adequar as responsabilidades de avaliações e certificações dos matriculados na educação domiciliar aos entes federados constitucionalmente responsáveis pelo ensino básico, ou seja, Estados, Distrito Federal e Municípios. Se mantiver exclusivamente sob a gestão do MEC – União, provavelmente, será motivo de questionamentos nas cortes superiores.

A Educação Domiciliar, considerada prioridade pelo governo federal, colocada como o primeiro em relação aos demais problemas educacionais a serem solucionados que envolvem muito mais crianças e jovens do ensino básico como, por exemplo, a exclusão digital, o déficit de aprendizagem e a evasão escolar quase que “invisíveis” as atuais autoridades, mas evidenciados durante a pandemia.

As recentes ações do governo demonstram suas escolhas educacionais como, por exemplo, o veto pelo governo federal da lei aprovada pelo Congresso Nacional que garantiria internet a alunos e professores.

Nas escolas estaduais 25,2 % delas não tem internet e nas escolas municipais são 33,8 % sem internet. O censo escolar de 2020 indicou 47,3 milhões de matrículas nas 179,5 mil escolas de educação básica no Brasil. Nesse período pandêmico milhares de alunos ficaram excluídos das aulas remotas por falta de internet em várias localidades e de tecnologias educacionais nas escolas brasileiras.

Outro exemplo, foi a nomeação para a Coordenação de Formação de Professores na Secretaria de Alfabetização do MEC de uma profissional graduada em Direito cujo TCC – Trabalho de Conclusão de Curso – tratava do Ensino Domiciliar, evidentemente, focado na legalidade constitucional. Ela nunca atuou como docente em sala de aula e não tem formação acadêmica na área da educação, mas está atuando na formação de professores. E daí?

A organização da sociedade civil Todos pela Educação, defensora de melhor qualidade na Educação Básica no Brasil, alertou que nos últimos dez anos ocorreu redução nos gastos educacionais.

Fica clara a intencionalidade do atual governo. O sucateamento da educação pública somado com os exemplos das escolhas recentes do MEC justifica-se regular o ensino domiciliar. Atende à demanda de um segmento da população que tem o privilégio de poder ensinar seus filhos ou de contratar profissionais da educação para fazê-lo. Também fica claro quão distante ele está no enfrentamento da acentuada exclusão digital, do catastrófico déficit de aprendizagem e da evasão escolar.

A insistência com o ensino domiciliar, em detrimento das prioridades de impacto na melhoria da qualidade do ensino, está sendo entendida por uma parcela daqueles que conhecem educação e dos que estão na linha de frente fazendo educação no Brasil como uma afronta a realidade educacional vivida no país.

 

 

Essio Minozzi Júnior é professor de Matemática e pedagogo. Pós-Graduado em Gestão Educacional – UNICAMP; Planejamento Estratégico Situacional – FUNDAP- Administração Pública-Gestão de Cidades UNINTER; Dirigente Regional de Ensino DE Caieiras (1995-96), Secretário da Educação de Mairiporã (1997-2000) e (2017-2018), Vereador de Mairiporã (2009-2020)