Todo dia eu tenho medo. Medo dessa saudade que eu ainda não tenho, dessa ausência que ainda não sinto. Vou olhando seus olhos castanhos de baixo para cima medindo cada centímetro meu, como se ainda fora aquele menino embalado que se encaixava nos seus braços. Protegido no teu colo ainda me segura, como se pudesse manter-me distante da crueldade humana à solta em cada esquina. Todo dia me apavoro em pensamento com o tamanho desse vazio que não existe. Desse amargo que não sei onde fica.
Três toques e a ânsia pela tua voz reclamando no meu ouvido todas aquelas bobagens que perto dos seus passos cansados na minha direção, tantas vezes tem me soado como canções. Nas tuas pernas e braços, cabelos brancos e pálpebras; vou vendo cada detalhe como se as marcas do tempo fossem valiosas relíquias me recordando de mim mesmo. Projetado na minha raiz vou me descobrindo.
Cada dia agora é uma lenta celebração e te ouço falar com empatia. Me dá vontade de explodir essa alegria, mas não faço para não te assustar. Vou ouvindo como se em mim não tivesse lugar para preocupação alguma. O privilégio de cada dia absorve as dores. As suas eu acalento te enganando. É minha vez de te colocar no mundo, como me colocas-te. Me posiciona nas fileiras para que tenha a minha vez. Fui existindo nesse mundo debaixo dos seus cuidados e me esforço agora para amenizar seu desconforto com as ausências. Tua melancolia da certeza da areia se esvaindo. Quando me desespero, lembro que todo dia eu penso nisso. Vou tentando te fotografar. Fecho os olhos e já sei como foi hoje. Agradeço e peço que fique mais. E não há nada, absolutamente nada que eu faça que me cause por um segundo a sensação de recompensá-la. Ah, que eu pudesse apagar as vezes que não sou aquele menino. As vezes que não sigo a tua frente espalhando pétalas e estendendo o tapete. Rainha, se as palavras eu sei de cor, guardo os gestos. Sem eles, tudo por aqui um dia vai ser muito pouco.
Luís Alberto de Moraes tem formação em Letras, leciona há quase vinte anos e prepara o lançamento de um livro de crônicas e poemas. @luis.alb