Cada um com seu nariz

O episódio envolvendo o jogador Gabriel, atacante do Flamengo, esta semana, provocou muitas reflexões. A gravidade e absurdo do crime contra saúde pública em si e a contravenção sobre jogos de azar, seria redundante discutir em meio a calamidade que vivemos; mas o que veio depois é que quero salientar.

Desde a maneira arrogante com que se dirigiu aos policiais, até a patética declaração onde afirma que apenas saiu com alguns amigos sem saber onde estava indo para jantar e que não se deu conta de que se tratava não de um restaurante, mas de um cassino. Se não sabe a diferença de uma ficha, uma roleta e um belo prato de comida, espero que nunca precise ser medicado com um supositório. Não bastasse a cara de pau de se esconder debaixo de uma mesa, declarou que saiu de cabeça erguida, desconsiderando a cena veiculada em rede nacional onde nitidamente deixou o recinto com uma blusa branca cobrindo o rosto.

Muitas vezes corremos o risco de deslizar na falta de cuidado e de tomar atitudes irresponsáveis conosco e com os outros, mas no caso de um ídolo e por todo universo que envolve, ser flagrado na clandestinidade ficou emblemático. O exemplo de falta de respeito às leis, bom senso e de vergonha na cara.

O duro é que vejo atitudes igualmente egoístas por parte de muita gente. Parece que se tornou cultural na sociedade a insistência em ver à frente, somente o próprio nariz. Um dono de padaria que se mantém na neutralidade, vira uma fera se o governo ousar falar que vai ser preciso fechar, mas se o fechamento for para outro segmento, está tudo certo. Da mesma forma, o mundo pode estar acabando, mas o seu salário cai todo mês pela sua estabilidade, sua rua é asfaltada e dá para ficar uns dias em casa vendo Netflix, está tudo em paz. O governante não presta, mas se alguma coisa me beneficiar, eu finjo que está tudo bem.

Por isso admiro os que se doem, não se conformam. No poder da palavra, fazem de pequenos gestos sua espada em meio a esses dias de tanta tristeza. Em silêncio alimentam, incentivam e consolam sem pedir em troca. Procuram olhar ao redor de um jeito coerente e justo. Do vírus da bondade, generosidade e empatia.

Desses sim, que a gente se contamine! Assim espero.

 

Luís Alberto de Moraes tem formação em Letras, leciona há quase vinte anos e prepara o lançamento de um livro de crônicas e poemas. @luis.alb